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Agora que se aproxima a data fatídica, este blog tentará dar conhecimento dos locais (bares e restaurantes) onde se poderá continuar a fumar. Aceitam-se, é claro, contributos alheios, a que se dará a divulgação apropriada.
Para já, uma primeira boa notícia: o Gambrinus vai ter uma sala para fumadores (a sala mais pequena, junto ao bar).
Esperemos que outros restaurantes sigam o exemplo, ainda que tendo de suportar os encargos (elevados) a que a legislação obriga.
A
Acordo Ortográfico – Cerca de 1,45% da grafia portuguesa (contra 0,86% da brasileira) será alterada com o Acordo Ortográfico. A aprovação definitiva será em 2008.
Agustina Bessa-Luís – A escritora está doente. Mas os seus livros são das coisas mais vivas da nossa ficção.
Alberto de Lacerda – Morreu um dos grandes poetas da Ilha de Moçambique (o primeiro deles, Rui Knopfli, o autor de A Ilha de Próspero, deixou-nos no maior silêncio há alguns anos). Alberto de Lacerda (Ilha de Moçambique, 20 de Setembro de 1928 - Londres, 27 de Agosto de 2007) deixou uma obra ignorada e clássica. Eduardo Pitta recorda-o num texto em que assinala um dado essencial: «Viveu sempre numa terra de ninguém.» Extraterritorial.
Alcochete – Jamais. O ministro Mário Lino referia-se ao deserto da Margem Sul de Lisboa, como o mais inóspito dos territórios para o novo aeroporto. Desde 1999 que a Ota estava escolhida e as contas feitas.
Amêijoas e corvinas – O vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa recordou-nos a existência de amêijoas e de corvinas nas águas do Tejo. Com elas, José Sá Fernandes queria diminuir a dívida da CML.
Amos Oz – Amos Oz, o grande escritor israelita, foi contemplado com o Prémio Príncipe das Astúrias. Ninguém como ele se tem batido pela paz no Médio-Oriente. Ninguém como ele tem espelhado na sua obra de ficcionista as grandezas e as misérias de Israel. Leia-se Uma História de Amor e Trevas, recentemente traduzido entre nós.
ASAE – A Autoridade mais mediática. Faz-se apresentar rodeada de câmaras de televisão, com coletes à prova de bala e capuzes de operacionais militares. Sendo certo que o seu papel é imprescindível e que a sua vigilância é necessária, há exageros que lhe foram fatais. Se a ASAE actuasse pela Europa fora, haveria levantamentos populares. Aqui, somos discretos e aceitamos tudo.
B
Barreto – Foi o ano dos programas de António Barreto sobre Portugal, para a RTP. A voz de António Barreto confere mais credibilidade aos números, aos dados, às análises. Fazia falta esta série. O retrato é comovente e digno; aparece-nos pela frente um país que mudou mesmo, e que mudou definitivamente em alguns aspectos. Por isso, o retrato é comovente. O livro de Barreto sobre a década prodigiosa (os anos setenta-oitenta), publicado há uns bons anos, já dava conta dessas mudanças e convinha lê-lo. Na verdade, o que realmente não mudou grande coisa, de 1975 para cá, foi o discurso da politicagem. O programa de António Barreto é o mais cruel desmentido dos profissionais do apocalipse e da política; não porque seja feito contra eles, claro que não. Mas porque é um trabalho sério, profundo e, ainda por cima, bem escrito, realizado e apresentado.
BCP-BPI – A história da união que não se fez é deliciosa. Eu fiquei a ganhar porque tenho conta no BPI.
Bélgica – Tantos meses sem governo e vive razoavelmente.
Boxe – Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, dois boxeurs cubanos, desertaram da delegação cubana durante os jogos Pan-Americanos do Rio. O governo brasileiro mandou que eles fossem presos e deportados, a 4 de Agosto último. Regressaram a Cuba num avião colocado à disposição por Hugo Chávez.
Bruno Tolentino – Não é preciso ser muito conhecido. Ele era muito bom. Em Julho morreu Bruno Tolentino, um dos grandes intelectuais brasileiros: «O Brasil que eu conheci, e do qual me recordo vivamente, era um país de grande vivacidade intelectual, mesmo sendo uma província. Não estou sendo duro com o Brasil. Quero saber quem seqüestrou a inteligência brasileira. Quero meu país de volta.» o autor de A Balada do Cárcere e de O Mundo como Idéia, viveu na Europa desde 1964 e esteve preso em Inglaterra (em Dartmoor, injustamente, por tráfico de droga: o governo britânico foi obrigado a um pedido de desculpas) foi parceiro de Cecília Meirelles, Bandeira, Drummond, ou João Cabral de Mello Neto. Curiosidade: a sua tia, Lúcia Miguel Pereira, foi biógrafa de Machado de Assis. Amigo de Beckett, W. H. Auden ou Elizabeth Bishop, e admirado por St. John Perse. Em 1996, siderado com os «intelectuais do regime» («elite analfabeta e totalmente irresponsável que entregou nossa cultura; nem estou falando da nossa classe média, que tem dinheiro para gastar em boates e shows e sair de lá gargarejando cultura...»), de Marilena Chauí aos manos Campos e aos cantores da rádio, deu uma entrevista notável à Veja.
C
Caixa Geral de Aposentações – Um dos fenómenos do ano. Juntas médicas e crueldade. Eis como o horror funciona.
Calças de cós baixo (1) – Acabaram. As mulheres voltam a ter cintura e deixamos de ter de ver excrescências deselegantes e disformes a saltar das calças. Guardado passará a estar o bocado, como deve ser. A devolução da cintura às mulheres (os jeans Diesel e Levis já não produzem calças de cós baixo há longos meses) constitui um marco estético de primeira grandeza, acabando com corpos desfigurados pela moda de calças mais pirosa dos últimos tempos, desde a boca-de-sino. O cós baixo das calças transformou a barriga (a barriguinha, esse pedaço fatal e delicioso) em pança e material elástico transbordante, deformando o corpo de milhões de adolescentes e traumatizando outros milhões de mulheres maduras que deixaram de poder comprar calças decentes, com cintura normal.
Calças de cós baixo (2) – E calças caídas até debaixo da bunda. Já vai em 20 o número de cidades americanas que impuseram posturas sobre o direito de os adolescentes e rapazes do hip-hop mostrarem as cuecas só para andarem de calças penduradas abaixo da bunda.
Câmara de Lisboa – As eleições para a CML deixaram de ser um assunto político para passarem a ser matéria de juristas de direito administrativo, do DIAP e de contabilistas e especialistas em direito bancário.
China em Portugal – O ministro da Economia português não se cansou de avisar os chineses de que Portugal tem os salários mais baixos da Europa, para tentar convencê-los a desembarcar em Lisboa. Há uma sensação absurda de uma certa miséria do investimento, não? O que choca são os baixos salários de 75% da população. Os chineses podem agradecer a lembrança e instalar-se em Aveiro ou em Santarém com fábricas e tecnologias, explorando os baixos salários portugueses. Na lógica de Pinho, eles vêm, os portugueses ficam com emprego e, depois, os salários crescem mais tarde. Pode ser que aconteça assim. Mas que um português não se indigne depois de ouvir as palavras de Pinho sobre a triste verdade da pátria (os baixos salários...), seria abaixo de cão.
China no Mundo – A União Europeia foi à China dar-lhe palmadinhas nas costas. Mas com respeitinho. Se a China diz para não se receber o Dalai Lama, não se recebe o homem, que diabo. Se a China acha que Taiwan é parte do território nacional e que só há uma China, que diabo, aceitemos. A China pede que nos coloquemos de cócoras? Pois que remédio. É preciso condenar Taiwan porque, lá, querem fazer um referendo? Condenemos. Entreguemos Taiwan à China. Taiwan tem eleições periódicas, mas que diabo, a democracia é um pormenor. E os direitos humanos são bons para os outros, os não-chineses. Os relatórios da Amnistia Internacional são bons para condenar uns; mas os chineses estão fora.
Cidade Proibida – Cidade Proibida, o primeiro romance de Eduardo Pitta foi publicado em Maio, edição da Quid Novi. É uma notável primeira viagem de Eduardo pela natureza do romance. E por uma história que teve coragem de contar. Saiu também Intriga em Família (edição Quasi) a reunião dos textos essenciais do seu blog.
Cimeira Europa-África – Em Lisboa, a cimeira da UE com países de África foi um passo necessário. A maior parte dos representantes de África era composta de ditadores e de maus governantes. Mas é provável que sejam mais vigiados a partir de agora.
Comisión Nacional de Horarios – Em Espanha, o socialismo de plástico inventou uma Comissión Nacional de Horarios para decidir a que horas os espanhóis deveriam deitar-se, regressar a casa, estar «com a família», levantar-se ou viver. O objectivo era acabar com a siesta. [Nós temos direito a essa Espanha incivilizada, quero lá saber da Espanha zapatera.]
Computadores na sala de aula – Maravilha. Computadores para tudo. Tudo aparece no computador; é uma perda antropólogica. Como já deixámos de convencer os meninos a estudar a tabuada e a exercitar a memória. Bem fazia Carlos Fiolhais quando defendia, com suprema ironia, a distribuição geral de calculadoras aos alunos do básico. Assim nunca mais falhavam contas e até melhoravam a mobilidade dos dedos. Digital.
Cristiano Ronaldo – Ronaldo é génio puro, talento, brilho, inocência. No seu pior, desculpa-se em nome daquele sorriso de miúdo. Durante um ano, os scolarinianos odiaram-no, porque ele «não jogava para a equipa», e o mestre (Scolari) chegou a afrontá-lo, dizendo que Nani é que era, Ronaldo não ia lá, era uma criança. É verdade. É uma criança cheia de talento. Odiado porque namorava com loiras exuberantes, porque queria a bola só para ele, porque «não jogava para a equipa» (o Manchester nunca se queixou), porque era preciso invejá-lo e baixar-lhe o nível de brilho – para se parecer mais com a merda do futebolinho luso. Na verdade, ele é o melhor.
D
Darfur – Depois de muita gente passar anos a lutar contra a barbárie, a ONU decidiu que era assunto que merecia atenção.
Dupla tributação – A Comissão Europeia notou que Portugal pratica a dupla tributação no imposto automóvel. Daí (a notícia é de Julho), mandou reparar o mal feito. O que fez Portugal? Recorreu. O ministro das Finanças declarou que «Portugal vai recorrer da decisão da Comissão Europeia». Ninguém reparou? «Portugal vai recorrer»? Portugal vai recorrer? Ou «o Estado português vai recorrer»? Alguém explique esta coisa básica. Não se trata de Portugal. Trata-se do Estado que impõe dupla tributação e que, se pudesse, imporia tripla tributação.
Denúncias – Veja-se como o DN começa esta notícia: «O Governo lança hoje um guia de combate à corrupção que pretende alertar funcionários públicos e cidadãos em geral para a gravidade do fenómeno, procurando dar-lhes as ferramentas necessárias para o evitar e, sobretudo, para o denunciar.» A denúncia de judeus velhos e cristãos novos foi o que se sabe. A denúncia por maldade. A denúncia durante a I República. O denuncismo durante a revolução. A denúncia para as primeiras páginas. A denúncia vergonhosa. A denúncia dos pobres e ofendidos. A denúncia de adúlteros e de sodomitas. A denúncia à PIDE. A denúncia aos padres & às auctoridades. As cartas anónimas que circulam na Administração Pública. A perseguição a quem se queixa com bases legais. A queixinha avulsa (sabem do que estou a falar...). A queixinha por método. A denúncia por hábito. A maldade de vizinhança. O Ministério da Justiça partilha das inquietações da sociedade sobre a corrupção e quer, portanto, comprometer a sociedade nessa luta sem tréguas e sem quartel. Já havia uma Carta de Ética, dos tempos de Guterres; mas agora são os funcionários públicos que estão a ser desafiados. Denunciem. No Brasil há um Disk-Denúncia permanente e abrangente. A sociedade deve vigiar-se. Controlar os vizinhos e combater o tráfico de influência. Ser honesta e não aceitar gratificações. Mas há razões para ter algum medo. Basta conhecer a história da denúncia em Portugal.
Dida – O guarda-redes do Inter simulou ter sido agredido. Exemplar a punição de Dida por ter encenado aquela pequena tirada de teatro no jogo com o Celtic. Esperemos que o caso faça jurisprudência.
Douro. Redescobri a minha terra – O Douro está cada vez mais bonito. Desculpem a expressão. Turismo, bons hotéis, bons restaurantes (como o excelente DOC, na Folgosa, na mais bela das estradas fluviais portuguesas, entre o Pinhão e a Régua; ou o Douro In, na Régua), quintas preparadas para degustação de vinhos, bom turismo rural. A minha terra merece. Ainda é pouco, mas merece.
DREN – Ficou sinónimo de bufaria e de perseguição. A directora da DREN reconheceu que recebia denúncias por sms; o ministério não teve a coragem simples de se demarcar. A responsável pela DREN, avisada por alguém (que achou por bem denunciar o caso, sabe-se lá porquê) achou que o comentário do professor era um insulto ao primeiro-ministro e resolveu suspendê-lo de funções e instaurar-lhe um processo disciplinar, com participação ao Ministério Público. O líder do PS-Porto achou que se tratava «de um procedimento absolutamente normal». Luiz Fagundes Duarte (coordenador dos deputados socialistas na comissão de Educação), achou ser «evidente» que «é preciso fazer qualquer coisa quando os políticos são achincalhados na rua».
E
Eduardo Prado Coelho – EPC foi um dos nossos grandes pensadores sobre literatura. Professor e mestre de duas gerações, a perda de Eduardo Prado Coelho foi uma das más notícias do ano. Era agradável não estar de acordo com ele, porque EPC sabia o que era uma polémica.
Escravatura – Já todos o esqueceram, mas o caso dos trabalhadores portugueses libertados em Espanha é chocante. 13 de entre os 17 que traficavam trabalhadores portugueses em Navarra eram portugueses. Escravatura com selo de garantia.
Escutas – Segundo o Procurador-Geral da República, todos estamos sob escuta. Todos podemos ser alvo dos «aparelhos para escutas ilegais à venda no mercado»; não nos bastavam os aparelhos legais para escutas aparentemente legais ou ligeiramente abusivas, como ainda há aparelhos para escutas ilegais. O que as autoridades propõem, portanto, é que se impeça a venda dos «aparelhos para escutas ilegais» em Portugal; a partir daqui, os aparelhos ilegais passarão a vender-se apenas pela internet ou a quem vá a Espanha, ao Brasil ou aos EUA.
Estripador de Lisboa – Prescreveu, em Julho, o caso do estripador de Lisboa e aparentemente ficam por esclarecer os crimes de 1992 e 1993.
F
FC Porto – Campeão nacional. Contra a “imprensa” desportiva e contra a opinião da larguíssima maioria dos portugueses, o que é saboroso. Se fosse por votos, o FC Porto seria afastado. Mas futebol é no relvado. Bola.
Fernanda Botelho – A autora de A Gata e a Fábula passou muito discreta pela literatura portuguesa deste século. Esta Noite Sonhei com Brueghel é o seu regresso nos anos oitenta. Morreu discretamente no final deste ano.
Francisco Umbral – Outra das perdas do ano. Um das suas últimas crónicas: «Me da la impresión de que se están consumando y consumiendo temas y sistemas del siglo XX. Hay menos novedades y sorpresas. Ya no se inventan bicicletas geniales en el pensamiento, la ciencia, la técnica...»
Fiama - Morreu em Janeiro uma das vozes essenciais da nossa poesia. Poesia densa e do melhor da nossa língua, onde a dificuldade de escrever não mascarava, nunca, a dificuldade de viver.
Fumar - Na Califórnia, a cidade de Belmont vai proibir que se possa fumar no interior das casas. Reparem bem: no interior das casas. Lá dentro. Direitos cívicos, onde andais?
Fundo do mar dos Açores – Uma equipa de investigadores portugueses vai estudar o fundo do mar dos Açores, no âmbito da proposta de extensão da soberania náutica além das 200 milhas náuticas. «No novo pedacinho de Portugal, para os lados dos Açores, existem fontes de água quente, a 2300 metros de profundidade, onde a luz do sol nunca chega.» Aviso-vos: é um mar fascinante, uma das nossas maiores riquezas.
Fuso horário – Hugo Chávez mudou o fuso horário da Venezuela. Não uma hora, não duas, não três. Mas meia-hora. Segundo o ministro de Ciência e Tecnologia, Hector Navarro, a medida visa «uma distribuição mais justa do sol». Meia hora.
G
Gang da Ribeira – Não há gang da Ribeira, mas o nome é útil. Há gangues da Ribeira, como há gangues na Segunda Circular. A noite do Porto é como as outras noites, e o que está em jogo é o costume: tráfico, droga, poder, vinganças, ciúmes, mulheres, ódios.
Grandes Portugueses – Era só um concurso televisivo. Salazar ganhou o concurso porque era um concurso televisivo; e Cunhal ficou em segundo lugar porque era um concurso televisivo. Os militantes votaram. Mas no caso de Salazar há vários factores. Em primeiro lugar, contou o facto de não ter sido incluído na lista inicial da RTP, claro que contou – e claro que se tratou de censura involuntária. Em segundo lugar, foi tanta a gritaria contra o velho beirão, que as pessoas se irritaram. Em terceiro lugar, foi um voto de protesto (sei que é banal dizer isso, mas não há como fugir à questão). Tirar conclusões acerca de um concurso televisivo? Claro que pode fazer-se. Dá uma imagem do país? Dá. Perguntem às esquerdas que agora protestam o que fizeram de verdade para impedir essa imagem salazarenta do país.
H
História da Europa – Dos cerebelos da Comissão Europeia veio a rica ideia de um livrinho único de História da Europa, como um catecismo para o melhor dos mundos. Veremos as crianças alemãs e portuguesas e polacas e espanholas e holandesas e italianas e checas a festejar versões comuns sobre tudo o que nos divide. Claro que já existe um modelo franco-alemão como inspiração a servir de choucroute. Não é a defesa da Padeira de Alubarrota, contra os espanhóis, que me inquieta. Talvez exista um problema imediato com as invasões napoleónicas e com o jogo de alianças em que andámos metidos. Em geral, trata-se de uma operação de limpeza muito adequada.
Hugo Chávez – Perdeu o referendo mas não perdeu a legitimidade. Ouviremos falar dele durante 2008. Se fosse pelos seus amigos trotsquistas, comunistas e ex-comunistas, já tinha começado a nova fase da revolução permanente.
I
Ingmar Bergman – Um dos mágicos do cinema e do teatro desapareceu em pleno Verão.
J
João Vário – Morreu no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde, o poeta João Vário (aliás cientista e neurocirurgião João Manuel Varela, aliás poeta Timóteo Tio Tiofe, aliás contista G. T. Didial), o meu eterno candidato africano ao Prémio Camões. Um grande poeta de língua portuguesa.
[Leia aqui alguns poemas de João Vário.]
Joe Berardo – Ele tem aquele sotaque e aquele defeito de fala. É rico, poderoso e madeirense. Enriqueceu, o que é um pecado. Diz o que pensa antes de pensar no que diz. Está no BCP para ganhar dinheiro e não gosta que o roubem. Não sei se é tão odioso como o pintam, mas não é parvo. Apenas conhece o seu lugar e sabe o poder que tem.
Jogging é de direita? – Uma pergunta imbecil. Para o Libération não: «Le jogging, bien sûr, se retrouve du côté de la performance et de l’individualisme, valeurs traditionnellement attribuées à la droite.» Sarkozy faz jogging porque é de direita. Sócrates faz jogging porque é jovem e saudável.
José Eduardo Agualusa – Agualusa ganhou a edição deste ano do Prémio de Ficção Estrangeira do The Independent, com O Vendedor de Passados. Na entrega do prémio, até os seus inimigos angolanos estiveram presentes; do pessoal diplomático português, ninguém, apesar de terem sido convidados – e de Agualusa viver em Lisboa. Dá pena. Mas o seu romance As Mulheres do Meu Pai é um dos acontecimentos do ano – e o seu melhor romance. O mais romance de todos os seus romances.
K
Kate McCann – A imprensa desdobrou-se em investigações «sobre os vícios de Kate»: ela frequentava «esplanadas, charcutarias e lojas de roupa, decoração e produtos de beleza», e não dispensava o seu cabeleireiro. Coisas terríveis que uma boa mãe não devia fazer. Neste início de semana somos informados de que ela tinha a alcunha «lábios quentes» na universidade, «e não recusava um copo a qualquer hora». Há sempre uma maldição que vem do passado para justificar seja o que for. Uma coisa é o segredo de justiça; a maldição é completamente diferente. A imprensa e a polícia andam a estudar o «caso Medeia». Depois, descobriram que a mãe achava que as crianças eram histéricas, que Maddie era hiperactiva e que o marido não ajudava a tratar dos gémeos. Daí se infere, portanto, que estava tudo escrito. O que se pretendeu fazer com a «caracterização psicológica» de Kate McCann é uma filha da putice.
L
Licenciatura de José Sócrates – O que estava em causa era a verdade e a manipulação de dados. O que interessava saber no caso da licenciatura de José Sócrates? Se é licenciado em engenharia parece ser o menos. Agora, se mentiu num pormenor destes, já é outra coisa; porque um primeiro-ministro não pode fazê-lo, sob o risco de ficar para sempre desacreditado. No entanto, no seu afã de defenderem o primeiro-ministro e dizendo que «um curso superior não é necessário», alguns comentadores começam por dar um mau exemplo às gerações vindouras. Não é necessário um curso superior? Como não é necessário um curso superior? Uma coisa é ser tratado por Sr. Dr., Sr. Eng.º, o que for; outra, diferente, é a desvalorização do estudo propriamente dito.
Lisboa – Lisboa merece tratamento urgente. Limpeza, verificação, transfusão, higiene, apoio. O The New York Times diz que é um dos destinos de 2008 e não é por acaso – mas preparem-na.
Livros – Em Abril, na Guarda, uma casa desabitada foi assaltada; roubaram uma estante cheia de livros. Insisto: levaram mesmo os livros. A ladroagem está a subir de nível. Parabéns.
Luís Cardoso - O novo romance de Luís Cardoso, Requiem para o Navegador Solitário (Dom Quixote): Timor, 1941, invasão de Timor pelo Japão, uma personagem a deixar saudades (Catarina), a fazenda Sacromonte, personagens a lembrar Somerset Maugham, tudo muito bem escrito. Um belíssimo romance.
M
McCann - O caso McCann comove, mesmo à distância. A multidão ulula, querendo justiça e sangue. O rosto de Kate McCann, aparentemente impassível convida as multidões ululantes à gritaria; coisa de «cultura», como me explicam, porque as «multidões do sul» sofrem ruidosamente como todos os coros de carpideiras. Numa peça de televisão revejo aqueles rostos irados, pedindo justiça e sangue; e, ao mesmo tempo, vaiando Kate McCann. Por isso, a frase mais exemplar de todo este processo é a de Bruno Sena Martins, que escreveu isto: «Quase desejo que aqueles pais sejam culpados para não estarem inocentes a sofrer tudo isto.» É uma frase igualmente cruel; mas, banalizada a crueldade da rua, a criança desaparecida já desapareceu. Agora, as multidões querem culpados; a criança desapareceu. Porque, se estes pais (se Kate McCann) estão inocentes e ouvem toda esta gritaria, qualquer coisa terrível terá de acontecer.
Menezes – Luís Filipe Menezes conquista o PSD anos depois de ter sido expulso de um congresso, entre lágrimas (suas) e apupos (dos seus pares). Nem mais uma palavra, porque o seu ano ainda não começou verdadeiramente. As elites ficaram despeitadas; mas merecem a humilhação. O país é que não se sabe se merece Menezes. Ou merece, nunca se sabe.
Mensalão – O tribunal supremo brasileiro admitiu que todos eles eram culpados. «Eles»: a elite de Lula. Culpados de corrupção, de desvio de dinheiro, de viciação do jogo político, de crimes contra o país. É o lulismo.
Michelangelo Antonioni – Outra morte, outro silêncio. Antonioni e o cinema deixaram a sua marca nos nossos olhos.
Miguel Real – Um fôlego único, capítulo a capítulo, pela voz de uma mulher que não perde a voz. Tal é o programa do romance de Miguel Real, O Último Minuto de S. (edição Quid Novi), uma encenação romanesca que tem como personagem central Snu Abecassis e, inevitavelmente, a sua relação com Francisco Sá Carneiro. Comovidíssima incursão de Miguel Real no discurso de uma mulher e, em tão poucas páginas, um enorme lamento por Portugal.
Mônica Veloso – A ex-amante do presidente do Senado brasileiro esteve na base de um dos grandes inquéritos políticos do lulismo. Acabou a posar, nua, para a Playboy. Renan Calheiros não merecia aquilo, que era bom demais. Mas a abjecção não tem limites.
Mulheres – Depois de os socialistas aprovarem as leis das quotas femininas, verificou-se que o governo de Sócrates tinha 2 mulheres ministras em dezasseis ministérios. Em França, com Sarkozy, há sete em quinze. Na Finlândia, há 12 em 20. Somos um país de machos. Socialistas, mas machos.
N
Natalidade – Todos andam preocupados com a baixa natalidade portuguesa. O governo ataca com benefícios fiscais e subsídios. O presidente pergunta se nós ainda sabemos reproduzir-nos. A questão não é de fiscalidade nem de sexo. É a vida, que é assim. Mas ainda ninguém convenceu essas almas de que ninguém aceita reproduzir-se em nome do Estado.
Norman Mailer – Mailer morreu em Novembro passado. Ele era o modelo do escritor profissional, comprometido, cheio de vida e de opiniões. Os duros, como ele, não dançam; não voltarão a dançar.
O
Ortografia – «Valeu tudo: tratar um sujeito como predicado, usar um “ç” em vez de dois “s”, inventar palavras. O Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) do Ministério da Educação deu ordens para que nas primeiras partes das provas de aferição de Língua Portuguesa do 4.º e 6.º anos, os erros de construção gráfica, grafia ou de uso de convenções gráficas não fossem considerados. E valeu tudo menos saber escrever em português. Isso não deu pontos.» Esta é uma notícia do DN e está lá o essencial. Mas o ministério da Educação esclareceu. Segundo o director do Gabinete de Avaliação Educacional, «não faz sentido penalizar a incorrecção ortográfica na primeira parte, quando o que se pretende perceber é se o aluno compreendeu ou não o texto. Se uma dessas perguntas tiver zero porque tem um erro não conseguimos avaliar se o aluno percebeu o texto». Perceberam? Não entendo como os alunos podem mostrar «que compreenderam» um texto, explicando-o através de uma amostra de erros ortográficos. Sempre pensei que escrever mal era pensar mal, interpretar mal, explicar mal. Portanto, abreviando e simplificando, um aluno pode dar erros ortográficos desde que tenha percebido o essencial do texto que comenta. Numa fase posterior, pede-se-lhe: «Então, criancinha, agora escreve aí um texto sem erros ortográficos.» E ela escreve, escreve.
OPA – Berardo anunciou uma Opa sobre o Benfica. Não resultou mas alguém ganhou com a especulação. Depois, «alguns chineses, não sei bem quem», foi em Julho, era o Verão, iriam fazer uma Opa sobre o Benfica. Não se fez, mas as acções melhoraram a vida de alguém. A CMVM estava onde? Ou ninguém quer, verdadeiramente, o Benfica?
Ota – Era uma miragem dos socialistas, que achavam que, lá, ficava bem um aeroporto. Como quase tudo o que exige respostas racionais entre nós, a questão da OTA foi tratada como problema de fé.
P
Pela Boca Morre o Peixe – O livro de João Pombeiro mostrava como se comportaram, pela língua, os políticos portugueses. Vêm lá frases espantosas, que convém recordar.
«Ele disse a Guterres para ir arranjadinho, porque as empregadas domésticas gostam disso. É isso que faço, limito-me a aparecer arranjadinho.» José Sócrates
«Não sou Maria-vai-com-as-outras, mas gosto imenso que elas venham comigo.» Santana Lopes
Perguntas: Porque no te callas? – O rei de Espanha colocou uma pergunta simples a Hugo Chávez. A ideia de que temos de desculpar o coitadinho do venezuelano a quem o rei de Espanha perguntou se não podia calar-se um instante, enquanto Zapatero falava, é tão absurda que até faz rir; Chávez foi autorizado a falar mais do que qualquer outro dos presentes, faz acusações imbecis onde e quando quer, ameaça usar o petróleo para punir quem se lhe atravessa (faz bem, que é seu), sai da cimeira e vai perorar contra a cimeira, e toda a gente acha bem. Quer dizer: os amigos de Chávez passam-lhe, amistosamente, um atestado de insanidade e de inimputabilidade (como se dissessem «deixem lá, é o nosso palhaço de serviço, até o dr. Soares gosta dele»), e depois esperam que seja respeitado. É só o palhaço de serviço. Mas, afinal, o que queria dizer Zapatero?
Pizzas e livros em Espinho - Isabel de Sousa, directora da Biblioteca Municipal de Espinho e uma campeã das bibliotecas públicas, lançou esta iniciativa na sua cidade: uma parceria entre a Biblioteca Municipal e a Pizza Hut. Quem encomendar uma pizza para comer em casa pode, ao mesmo tempo, encomendar um livro, DVD ou CD que receberá em simultâneo com a pizza. As encomendas serão feitas pela Internet (pizza.livro@cm-espinho.pt) e obedecerão a algumas normas fixadas pela Biblioteca Municipal de Espinho. Este programa de promoção do livro e da leitura destina-se a todos os que tenham o Cartão Único da Biblioteca Municipal de Espinho (15 mil utentes no presente) e o serviço funciona até às 23 horas. O requerente não terá qualquer custo referente ao livro, DVD ou CD. Os livros, DVD ou CD serão transportados pelo estafeta que leva a pizza e não terá qualquer custo o empréstimo é gratuito.
Pluralismo – O sistema de avaliação do pluripartidarismo proposto pela ERC é um exemplo para todos. A partir de agora, a independência do jornalismo mede-se por critérios retirados dos resultados eleitorais.
Privacidade - Este debate é oportuno e os sinais que ele fornece são positivos, mesmo que – num caso ou noutro – possam ser injustos para alguns sectores da administração. Há anos ele seria impossível porque as pessoas davam pouco valor à sua liberdade e à sua «reserva individual»; encantados com a «modernização», os portugueses desinteressavam por todo o tipo de quebras de privacidade, da videovigilância nas auto-estradas à monitorização da vida familiar. O argumento mais imbecil de todos: quem não deve, não teme – e a «reserva individual» é um assunto menor diante da necessidade de «reforçar o colectivo» ou de «melhorar o Estado». Num longínquo texto dos anos oitenta, António Barreto chamava a atenção para o ambiente de liberdade em que vivíamos – liberdade de imprensa, de reunião, de associação, mobilidade, etc. Mas lamentava o facto de não existirem «liberais» (esqueçam a denominação, que a mim me parece justa), no sentido em que a liberdade não existe sem pessoas que se interessem por ela. Hoje, só a existência desse debate já é útil e mostra que as pessoas estão atentas, que começam a prezar a sua liberdade e que – em relação ao Estado e aos seus poderes – já sabem desconfiar. Questionam a utilização que se pode fazer do cartão único, do acesso ao correio electrónico por parte das empresas fornecedoras de acesso à net ou por parte do Esatdo, da facturação detalhada de telemóveis, da videovigilância da Brisa, do manuseamento do cartão de contribuinte por grandes empresas que ainda estão associadas ao Estado ou que podem agir em bloco com ele, do cruzamento de dados de saúde na banca privada ou nos serviços públicos, da monitorização da nossa vida pelas grandes corporações, etc. Isso é estar um degrau acima. Um upgrade, se quiserem. Desconfiar não é crime; pelo contrário, a história dos direitos individuais e a história da liberdade ensinam que desconfiar é, mesmo, um dever.
Proposta de alteração à Lei da Tutela Administrativa – Era uma proposta do PSD mas o PS aceitou-a e avançou com ela, com a oposição do PSD. Tratava-se de os autarcas verem os mandatos suspensos sempre que o Ministério Público deduzir acusação contra eles em processo-crime. Justiça nas ruas, nas páginas dos jornais e nas repartições dos partidos. A partir de agora, para eliminar um autarca, por exemplo, não seria preciso ele ser considerado culpado de nada, ou ser condenado. Bastaria ter um nome nos tribunais. Portugal livre de mácula, como deve ser, imaculada e quimicamente puro. Quem não quer viver num país destes onde cada lei se faz para cada caso?
PSD – O PSD está cheio de senadores, valha a verdade, e de especialistas em ter «ideias para o partido». Alguns deles desertaram; ou se passaram para «o inimigo» ou lhe fazem «favores. O poder deixou de lhes interessar pela devastadora razão de que já não o têm. Eles aparecem, a espaços; mas nunca têm disponibilidade, ou nunca estão reunidas «as condições» ideais. No PSD, o papel dos «senadores» é esperar. Sejamos velhacos: esperar, para entrar; e esperar, para sair. Para muitos deles, o PSD é uma sala-de-espera. José Pacheco Pereira dedicou ao assunto uma série de posts em rongorongo, a nativa língua de Hanga Roa, na Ilha de Páscoa. Os moai de Rano Raraku não conhecem o PSD, mas a sua língua já foi decifrada.
Q
Quaresma – Valdano, há tempos, escrevia sobre essa arte de fazer coisas estranhas, próximas do talento puro, situando Quaresma entre os grandes artistas. Mas Quaresma é solista de outra música. É outro caso de talento e de objecto de inveja, quando não de racismo, por ser cigano. Trivela é coisa dele.
R
RCTV – Na Venezuela, Hugo Chávez mandou fechar a RCTV porque lhe era adversa. Não lhe renovou a licença. Mário Soares concordou: trata-se de não lhe renovar a licença e não de mandar fechar. Confiram e não esqueçam.
Referendo – Claro que não se faz. Referendo a quê? Ao Tratado? Mas se ninguém percebe... Há o argumento de que, em democracia, mesmo as coisas complexas devem ser discutidas – mas parece que não pega. Não vai haver referendo, mesmo depois das promessas de Sócrates, que o exigia em todas as circunstâncias. Não vai haver.
Religião – «Uma professora primária britânica que trabalhava no Sudão foi presa na capital do país, Cartum, e está sujeita a uma pena de 40 chibatadas pela acusação de blasfémia, por ter permitido aos seus alunos baptizarem um ursinho de pelúcia de Maomé.»
Rugby – Heróis do mar, etc. Os Lobos, a selecção nacional de ruby, foi pela primeira vez a um fase final do Mundial. Foi brilhante: perderam todos os jogos, mas não trouxeram humilhações para casa.
S
Santana Lopes – A revista Lux publicou uma carta do líder parlamentar do PSD em que este desmente que, durante o espectáculo de Rod Stewart no Casino Estoril, tenha «trocado mensagens telefónicas e envios, pelo ar, de pedaços de palitos à la reine [sic] com Cinha Jardim». A «notícia é completamente falsa». A revista, por seu lado, acha que a insinuação é «grave e descabida» (a directora da Lux, esclarece, esteve de facto nesse evento, «mas numa das primeiras cadeiras da referida mesa, ao passo que PSL estava quase ao fundo da sala») e, para o que nos interessa, «reafirma que voaram palitos la reine na referida mesa». Ficámos cientes.
Sarkozy – Os franceses elegeram Sarkozy. É um homem que vai agitar as águas. Como vingança, apareceu em público com Carla Bruni. A esquerda tratou de desvalorizar a sua vitória; foi Ségolène que não soube «passar a mensagem» e Sarkozy que «ludibriou» os franceses. Eles nunca aprendem.
Scolari – «E eu é que sou burro?», pergunta o homem. Em coro, a uma só voz, respondamos: és. Vai trabalhar.
Sete Maravilhas – A eleição das sete maravilhas do mundo pode ter sido um espectáculo manipulado, mas chamou a atenção para a necessidade de conhecer o mundo. Na lista, não se sabe o que faz lá o Cristo Redentor do Rio de Janeiro, mas enfim, é o televoto.
Shaaria – 40% dos jovens muçulmanos a viver no Reino Unido querem que o país adopte a shaaria. A notícia não surpreende; um muçulmano deve querer ser muçulmano e, julgo eu, deve querer aplicar a lei. Mas porquê aqui?
Socialismo do Século XXI – Boaventura de Sousa Santos festejou (na edição de 24 de Maio da revista Visão) o socialismo do século XXI do comandante Hugo Chávez: «(…) em 2005, o Presidente da Venezuela colocou na agenda política o objectivo de construir ‘o socialismo do século XXI’.» Os «socialismos do séc. XXI» , entre os quais o venezuelano, «terão em comum reconhecerem-se na definição de socialismo como democracia sem fim». Agradecemos penhoradamente essa profissão de fé tão devastadora. Cá estaremos.
T
Televisão - A estupidez reproduz-se a si própria, e com bastante facilidade. Vejo-a na televisão, mas não digo isto como moralista. Tanto me faz que «os telespectadores» vejam «A Bela e o Mestre» como o «Só Visto», ou as telenovelas portuguesas ou o que for. É a vida das pessoas. Não quero defendê-las contra a barbárie; não são piores por isso; não quero que se salvem aos olhos dos que «pensam bem» e lhes têm horror. A televisão da canalha é a televisão da democracia, não há volta a dar-lhe. Meninas imbecis transformadas em «apresentadoras» que fazem trejeitos e ironizam sobre os outros; meninos com graça transformados em «comunicadores»; reportagens sobre «as festas» onde as pessoas fazem ainda mais trejeitos e não deviam ser filmadas naquelas figuras (ou: porque é que são filmadas essas pessoas?). A falta de sentido das coisas não tem a ver com o absurdo desta falta de sentido. É a estupidez a reproduzir-se a si própria.
Terminal 2 – Os passageiros da TAP para as ilhas, para o Porto e Faro sabem do que se trata: o Terminal 2 é um barracão mal construído, desconfortável, onde nada funciona correctamente, onde quase tudo é feio e desastroso, e para onde a ANA e a TAP e a Groundforce e o Estado resolvem enviar os passageiros de voos domésticos. Ou seja, relegá-los para pessoal de terceira categoria, metidos num saguão onde não há lugares sentados, onde não há beleza nem conforto, onde tudo é desajeitado e de segunda e terceira ordem. Esta é a forma tratam os seus passageiros, os seus clientes e os seus contribuintes.
TLEBS – Uma trapalhada. O Ministério da Educação não teve coragem de pôr fim à TLEBS. Ficou em meias-tintas. A TLEBS foi suspensa mas regressa, não se sabe se depois de revista pelos senhores de uma comissão onde se ouvem uns aos outros e chamam ignorantes aos que têm dúvidas legítimas (a expressão ficou), ou se depois de passada a tempestade. Nessa altura voltaremos à carga. Porque o problema da TLEBS não é «um conjunto de pormenores»; é a sua substância, o seu sentido e a sua quase inutilidade. [Ver, aqui, alguns textos sobre o assunto.]
Transgénicos – Não há debate científico público sobre os transgénicos. Mas faz parte do espectáculo. Mas trata-se de um espectáculo com custos para cidadãos indefesos, como o proprietário da exploração agrícola algarvia vandalizada este Verão. Uma coisa é discutir a questão dos transgénicos; outra, inteiramente diferente, é actuar à margem da lei e sob a sua protecção, uma vez que as autoridades se abstêm de intervir contra os meninos – que, às vezes, no caso de certos grupos, recebem subvenções públicas.
Tratado de Lisboa – Foi conseguido graças à diplomacia portuguesa e aos esforços anteriores de Angela Merkel. Todos gostaríamos de fazer piada com o assunto, mas é preciso reconhecer que foi conseguido. Agora, referendo ou não? Não vai haver, mas porreiro, pá, já foi assinado.
Túmulo de D. Afonso Henriques – Sinceramente, não se percebe por que razão não se abre o túmulo do nosso primeiro rei. Receio de danificar o que está lá dentro? Mas como? Medo de verificar que as ossadas não são ossadas? O secretismo nunca ganhou combates. Abram o túmulo.
TVI – Pina Moura disse que a sua aceitação do convite para administrar a TVI «tem um pressuposto ideológico» e que «não há nenhum projecto empresarial que não tenha objectivos políticos, nomeadamente na comunicação social». Nada como a clareza.
V
Verdade – O essencial é isto: os jornalistas do Público deram notícia de um facto que, ficou provado, era verdadeiro. Mas foram condenados. Porquê? Porque a divulgação da verdade (uma dívida ao Estado de 460 mil contos) é «susceptível de afectar o seu crédito ou a reputação do visado». Ena.
Vinte e Sete de Maio – Passaram, este ano, trinta anos sobre o 27 de Maio de 1977 em Angola. Um purga, uma vaga de assassínios, um período de terror. Ferreira Fernandes explicou o assunto no DN. Dalila Mateus escreveu um livro: «Por estranho que pareça, as atrocidades cometidas no Chile de Pinochet, se comparadas com o que se passou, de 1977 a 1979, no país de Agostinho de Neto, assumem modestas proporções. E o mais chocante é que, no caso de Angola, nem sequer atingiram inimigos, mas sim membros da própria família política.» Outros links: Sobreviventes dos acontecimentos de 27 de Maio de 77 ainda procuram explicações. || O silêncio que grita. ||O dia mais negro. || Associação 27 de Maio. || Carta de Carlos Pacheco a Pepetela.
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