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Música, a inocência da música.

por FJV, em 24.12.07


1. Cidade antiga, velha, de granito e varandas. À meia-noite, quase, atravesso o Largo de Camões, diante do casarão que foi o paço dos Duques de Bragança; mesmo em frente, o primeiro deles, a estátua de D. Afonso, também conde de Barcelos, a que a minha turma de Liceu, em tempos, roubou as esporas. Ali, numa varanda gelada, há muitos anos, fizemos a primeira emissão de rádio-pirata da história da cidade; o emissor custou 25$00 dos antigos a cada um (éramos cinco), comprado peça a peça, bobines à parte, fio de cobre oferecido por uma loja. A montagem foi épica, cheia de discussões sobre física, electricidade e cabala. A emissão, em onda média, cobria apenas uma parte da cidade velha e as margens do Tâmega e ainda hoje discutimos sobre se a primeira canção a passar (gravada em cassete) era dos Led Zeppelin ou dos Deep Purple. Durou uma semana, ou nem isso, mas eu acho que era Deep Purple.
2. Orquestra de câmara e coro na velha igreja de Sta. Maria: ambos amadores, claro. Ninguém vem aqui actuar no meio do frio. Ambos amadores e locais, ambos suportando a fragilidade da noite fria, do público escasso e da dificuldade do repertório. Mas saio convertido à inocência da música. Daria tudo para ouvir de novo esse repertório: Saint-Saëns primeiro; depois Bach (tinha de ser); a terminar, Fauré. A orquestra de câmara é formada por músicos quase ambulantes, do Porto, de Évora, de Coimbra, e que se juntam pelo prazer de tocar. O coro é um pequeno fenómeno local. Uma noite gelada tocada pela eternidade, com Saint-Saëns e Fauré.

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