||| Gare do Oriente, um caso.Passei uma década a viajar de comboio. Até escrevi
um livro sobre comboios. Uma década, entre Lisboa e o que havia de Europa para conhecer. Estações minuciosamente esquadrinhadas para encontrar um restaurante, um duche, um canto para dormir, uma cabine telefónica, um terminal de autocarros ou de barcos. Tenho recordes para contar, como o de 16 dias seguidos a dormir em carruagens que atravessavam fronteiras visíveis e invisíveis, ou a companhia de viajantes ainda mais incansáveis. Linhas principais e ramais secundários. Não interessa. Do que me lembro, raras vezes senti a imagem de desprotecção proporcionada pela Gare do Oriente, onde me abasteço periodicamente de ligações ferroviárias. O
Pedro Sales comenta o comentário
de Duarte Calvão (já
aqui comentado, por sua vez) e chama à Gare do Oriente aquilo que ela é: um apeadeiro «que custou 175 milhões de euros, o que deve ser um recorde mundial». A questão, caro Pedro, de facto, não é de ordem arquitectónica; é de respeito pelo viajante de comboio. Ela é o resultado de uma
década de ouro do bacoquismo nacional, que de resto está à vista em quase todo o espaço da Expo. Gente fascinada pelas glórias da grande arquitectura deixou aquela zona entregue à desolação -- o que é matéria arquitectónica e é matéria política. Sobre o primeiro dos aspectos, pronuncio-me pouco, e a medo. Mas acho que há ali uma questão política, não no sentido em que as decisões de deixar aquilo como está foram tomadas por responsáveis políticos, mas porque tudo aquilo dá uma ideia de como eles vêem os utilizadores, os cidadãos, os viajantes, os habitantes: lixo, muito lixo; cafetarias sujas; zonas escuras onde não é seguro passar quando se chega no «comboio da noite»; labirintos mal sinalizados e cuja ordem só é apreendida depois de muitos dias de frequência; parques de estacionamento com pouca vigilância; bilheteiras ao ar livre com filas de viajantes agradecendo o vento de Inverno; salas de espera desconfortáveis; escadarias igualmente mal sinalizadas. Isto é uma questão política; os talentos da Expo permitiram que a «nova estação ferroviária» de Lisboa se transformasse num repositório de maus hábitos suburbanos, onde tudo apodrece, onde o lixo se acumula, onde não é agradável apanhar comboios num cais que não tem bancos suficientes para aguardar a hora de embarcar e que está desprotegido, onde chove e faz vento, onde o horror da camionagem está sempre presente.
Pessoalmente, prefiro apanhar o comboio em Santa Apolónia, na velha Santa Apolónia. Infelizmente, os Alfas não partem da bela São Bento. Um Estado que não garante conforto aos cidadãos; é esta a imagem definitiva. Compreendo a visão do arvoredo metálico da estação do Oriente, que deve ser um primor arquitectónico. Mas fatal, se lá pomos pessoas. Pessoas que merecem um lugar para se sentarem.
PS - No caso do «Terminal 2» do aeroporto de Lisboa, não há sequer considerandos de ordem arquitectónica. É como se ele fosse destinado aos camelos. Se me faço entender.
[FJV]