||| Imperial Vila de Ouro Preto.
Poemas de Tomás António Gonzaga, as ruas onde passou parte da melhor história de Portugal no Brasil. Havia uma poeira fina, amarelada. Essa não foi a primeira imagem mas foi a mais intensa, aquela que perdurou. A primeira foi a do desenho de um vale escuro, denso, sitiado pelo pico do Itacolomi e pela Serra da Mantiqueira, pelos fios de água do Rio das Velhas e do Piracicaba, mergulhado naquela vaga de calor onde cada pedra fala da história e do passado. É impossível não ceder ao peso da história; casarões erguidos em colinas, em ladeiras e becos, pracetas onde ipês frondosos servem de testemunhas à passagem do tempo. Mas a outra imagem, a imagem decisiva, apareceu depois: uma poeira fina misturada às nuvens de calor que subiam e desciam o vale. Foi mais do que isso que levou D. Pedro a chamar-lhe Imperial Cidade de Ouro Preto, substituindo o nome antigo, Vila Rica – o desígnio da história, o centro difusor do independentismo brasileiro que alimentou a Inconfidência Mineira e a conspiração do Tiradentes, a importância económica da região, a tradição de uma cidade que foi capital do barroco brasileiro. De alguma maneira, tanto Gonzaga como Cláudio Manuel da Costa fizeram o melhor da poesia pós-barroca, só comparável em génio ao atormentado e revolucionário Boca do Inferno, o “genial canalha” Gregório de Matos, o escandaloso poeta baiano do século XVI.
Ouro Preto lembra a história das cidades abandonadas por algum mistério do tempo. Há aqui o perfume da maldição e do castigo por, nesses tempos de glória, a riqueza dos seus habitantes ter levado a cobrir varandas e fachadas com folha de ouro. Isolada do mundo, escondida no vale, Ouro Preto fomentou aquela luxúria da decadência e foi um centro produtor de música, de pintura, de escultura, de literatura – e de contemplação, a mãe de todos os vícios artísticos.
Ao crepúsculo, Ouro Preto recebe os seus fantasmas, um a um. Eis a contemplação como um dos elementos da luxúria; não é por acaso: ao observar o vale desaparecendo sob a escuridão, percebe-se por que razão há cidades brasileiras a viver tanto o passado e os seus mistérios.
[FJV]