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por FJV, em 05.09.07
||| Exactamente. Os que não mudaram, outra lista.
Filipe Nunes Vicente publica a sua lista no Mar Salgado; e acrescenta: «Podia enumerar muitos mais: sempre que a minha vida mudou não foi por causa de livros. Os livros não nos modificam. Algumas das coisas de que também os bons livros falam, essas sim, modificam-nos. Os melhores livros têm necessariamente de incluir sobrevivência, envelhecimento e morte; em casos extraordinários, amor. O resto são chicuelinas.»
[FJV]

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por FJV, em 05.09.07
||| Toda a verdade sobre os livros que mudaram a nossa vida.
«Pessoas mudam vidas, mortes mudam vidas, catástrofes naturais mudam vidas, o azar muda vidas, a sorte também, uma doença tramada que se curou, um remorso profundo. Livros? [...] Alguém acredita que um livro nos mudou a vida?» Vasco Barreto citado pela Mónica.
[FJV]

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por FJV, em 05.09.07
||| Os que não mudaram, 4.
Novo post de Luís Mourão sobre a lista, a fatal lista dos livros que não mudaram a nossa vida. Não perder. O Manuel já referiu o magnífico post anterior.
[FJV]

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por FJV, em 05.09.07
||| Não gosto de literatura. Eu sabia. 3.
O personagem mais injustiçado da nossa literatura é a Senhora Condessa de Gouvarinho. Tenho por ela uma adoração infame. Na galeria de personagens de Eça, a Sra. Condessa merecia mais. Desgraçou-a aquele machismo que passou por ser uma espécie de mistura de Julie d'Aiglemont, a mulher de trinta anos de Balzac, e de Emma Bovary. Pessoalmente, fico sempre enamorado da senhora condessa, que ainda me comove trinta anos depois de a ter conhecido. Gosto daquela incerteza, daquele ar perverso e romântico, daquela facilidade com que trai, daquela coragem que a leva ao consultório do dandy antes de ir, devota, beijar o Senhor dos Passos. Ela tinha um perfume de verbena que fascinava Carlos. No fundo, é uma mulher fulgurante que o machismo queirosiano condenou a penar entre chás, jantares, presenças aborrecidas do marido, encontros adúlteros. No livro, ela aparece como um ornamento destinado a satisfazer o tédio de Carlos da Maia mas, no fundo, é ela que toma a iniciativa, seduzindo-o, propondo uma visita «à casa da Titi», compreendendo melhor do que ninguém a mediocridade da vida lisboeta. Sem querer incomodar, sem querer um romance devastador, ridículo e sofrido. Só ela, a minha personagem preferida, se eleva ao nível de Craft, o céptico dos cépticos, o mais perfeito dos desesperados do grande romance de Eça.
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por FJV, em 05.09.07
||| Não gosto de literatura. Eu sabia. 2.
Mas há mais: O Corsário Negro, de Emilio Salgari, mudou um pouco a minha vida. E, ainda hoje, sinto aqueles silêncios de O Drama de João de Barois. Mas prefiro esse Salgari. Camilo sim, mudou a minha vida de leitor: A Brasileira de Prazins não é apenas uma construção fantástica; é uma teoria do romance, da história e da ironia. Lembro-me sempre daquela introdução em que Camilo é levado por um devaneio a falar das folhas das giestas, boninas e das lágrimas perlando a aurora; e ele: «A Aurora a chorar! de que tempo isto é! Como a gente, sem querer, mostra numa ideia a sua certidão de idade e uma relíquia testemunhal da idade de pedra! Oh! os bigodes tingem-se; mas as frases – madeixas do espírito – são refractárias ao rejuvenescimento dos vernizes.» O Retrato de Ricardina, outro. Os Brilhantes do Brasileiro, um prodígio de selvajaria (quando se retrata a paixão do Sr. Barrosas: «um choque eléctrico lhe subverteu as enxúndias mais profundas do coração!»). Eusébio Macário, um léxico da literatura (aquela primeira descrição é outro grande momento de barbárie). Onde Está a Felicidade?, um monumento de ironia finíssima, mascarada com o perfume do agrado das burguesias. Não terminaria.
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por FJV, em 05.09.07
||| Não gosto de literatura. Eu sabia. 1.
A Carla acha que eu não gosto de literatura. Completamente off the record (ou seja, só entre nós) e penso que o Eduardo não leva a mal a inconfidência, ontem ao final da manhã, numa troca de mails, eu disse-lhe: «Vamos ser trucidados. Olha o Proust...» Confesso que nunca tinha lido a Recherche até à tradução de Pedro Tamen. [Também escrevi, noutra altura: «Está a acontecer-me com a Recherche, que eu nunca tinha lido (saiu agora a tradução de Pedro Tamen, na Relógio d'Água). À medida que vou lendo descubro uma coisa notável: algumas pessoas que falaram de Proust estão inteiramente certas naquilo que disseram; mas centenas delas nunca tinham lido Proust, afinal — citavam Proust, a importância de Proust, a obra-prima. Mas não tinham lido. Uma obra-prima, nessas circunstâncias, é inquestionável, tal como o “acto de leitura”, uma espécie de iniciação; fala-se dela e milhares de pessoas dizem: “Claro que ele já leu Proust.”»]
O que significa a lista? Não sei. Mas aqueles livros não me suscitaram muitas interrogações. Lolita é uma construção engenhosa, uma obra-prima; Ulysses é outra construção prodigiosa, custou-me a ler, sempre afectado pelo facto de ter lido primeiro a correspondência entre Joyce e Nora (e a biografia de Nora, de Brenda Maddox), e sempre perturbado pelo facto de ter feito, em Dublin, todo o percurso do livro; Grande Sertão Veredas é o segundo nascimento da literatura brasileira. Mas, na verdade, não mudaram nada de mim e não mudaram nada do que eu pensava da literatura. Mudou mais, sim, e terrivelmente, o Tristram Shandy, de Sterne (tradução fantástica de Manuel Portela), porque eu não sabia que tudo aquilo já tinha sido escrito há muito tempo e era o mais moderno que se podia fazer antes de aparecerem acrobatas do romance (tirando Machado de Assis, que usou muito bem os truques); e mudou muito mais The Long Goodbye/O Imenso Adeus, de Raymond Chandler (até comprei o áudio-livro lido por Elliott Gould), que tem um arranque único («The first time I laid eyes on Terry Lennox he was drunk in a Rolls-Royce Silver Wraith outside the terrace of The Dancers...», etc., etc). Há outros livros que são apenas sobrevalorizados. A Náusea é um aborrecimento, O Amante de Lady Chatterley é um expoente da moral de tia velha e supostamente devassa. Diante deles, acho uma pena que Orgulho e Preconceito não seja mais lido. São simpatias, também. Mas a lista não tem a ver com antipatias; essa seria longa e certamente injusta. O Fausto, de Goethe, é quase uma obra absoluta, fortíssima, total; mas uma encenação, que vi em tempos, desiludiu-me e amedrontou-me. São acasos. E são escolhas.
Uma lista de livros que não significaram nada? Como diz o Manuel, era fácil. Por obrigação, leio bastantes desses ao longo do ano. Mas ataquemos o coração da literatura pelo outro lado, o das explosões que deixa na nossa vida. Por exemplo, Memórias de Adriano; ninguém da minha geração universitária era bem visto se não o tivesse lido, e eu li-o, li Yourcenar em doses fatais; passados estes anos, folheei a velha edição da Ulisseia (capa de linho, grafismo de João Rodrigues) e procuro aquilo que me agradou na época: umas frases, um excesso, uma novidade, a figura de Adriano; mas passou, passou há muito tempo, não deixou grande coisa, não mudou nada de mim.
[FJV]

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