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O João Miranda refere Rudolf Steiner neste post. Não comento o assunto (a agricultura biológica), mas lembro-me de uma visita a Dornach, perto de Basileia, onde se comemora a enorme sapiência de Rudolf Steiner, um homem que sabia de tudo e onde estão instalados os Goetheanum, edifícios tremendos que também comemoram a sua vasta sapiência. Rudolf Steiner sabia de tudo: de linguística a agricultura biológica, de filosofia (vagamente) a fisiologia (bastante), de esoterismo a literatura (Goethe), de economia a política, de pedagogia (com as escolas Waldorf) a ciência em geral (sobretudo decalcando tudo o que Goethe escrevia). Sobre este «sistema total», a antroposofia, li algumas coisas na época, no princípio dos anos oitenta. Tudo estava ordenado, tudo se orientava para «princípios unificadores», não havia pormenor escatológico que não estivesse explicado no interior de um «conhecimento» que não deixava nada de fora. Dornach, a aldeia, assinalava Goethe de forma obsessiva e as representações integrais do Fausto demoravam semanas de aborrecimento intenso. Os seguidores de Rudolf Steiner passavam pelas ruas, vestidos de lã escura, com gorros a esconder a palidez da pele; comiam-se bastantes cereais e frutos secos, perseguiam-se o álcool e o tabaco, as pessoas riam com cuidado; havia grupos de trabalho sobre agricultura biológica e o sistema digestivo ao lado de aulas de «ciência espiritual», a que assistiam muitas fãs de Madame Blavatsky e Annie Besant. As «origens intelectuais» de Rudolf Steiner eram interessantes (ficaram conhecidos o seu apoio a Dreyfus e as suas leituras iniciais de Nietzsche, que lhe forneceu a gramática e a euforia), mas o resultado era uma cosmogonia que acabava por reduzir as ciências à tríade «pedagogia-medicina-agricultura» e à sua mistura com uma «ciência espiritual» que procurava tranquilizar-nos com Goethe no original. Quando deixei Dornach, pela estrada que me levava para longe de Basileia, deixei para trás uma grandee perigosa tristeza; eu não sabia, até aí, que se podia detestar a vida real com uma convicção tão intensa. Mas cheia de palavras.
[FJV]
O Benfica venceu por 1-0 em Copenhaga e assegurou a sua terceira presença consecutiva na Liga dos Campeões. Confesso que fiquei satisfeito, mesmo que não morra de amores pelos «encarnados» e tenha constatado, como qualquer espectador atento, que tal resultado só foi possível graças à enorme dose de sorte com que a equipa foi ontem bafejada. Mas gostei de ver uma nova postura, que é já a marca de Camacho, e o futebol de Rui Costa, a desmentir mais uma vez as patetices de Berardo. Só me faz impressão que com um jovem como Miguel Vítor se continue a falar pela Luz da falta de um central.
[MAV]
«Alberto de Lacerda, que morreu anteontem, a um mês de completar 79 anos, viveu sempre numa terra de ninguém. A Moçambique, onde nasceu, e que deixou na adolescência, voltou uma única vez (em 1963). Portugal não passou de um intervalo. Não admira que tenha sido em Londres, cidade de que era cidadão honorário, onde viveu durante 56 anos consecutivos, que a morte o tenha surpreendido. John McEwen, o crítico de arte com quem tinha combinado almoçar no domingo, estranhou o atraso e acabou por arrombar a porta. Alberto de Lacerda ainda estava vivo, porém em coma. Morreria horas depois. Conhecendo-o como conheci, sei que teria apreciado o detalhe final.»[FJV]
Ilha de Moçambique
Anulada a distância entre o desejo
E o sonho coincidente como um beijo,
Exalei mapas que exalaram rios.
Terra secreta, continentes frios,
Ardei à luz dum sol que é rumorejo
Para lá do que eu sou, do que eu invejo
Aos elementos, aos altos navios!
Trouxe de longe o palácio sepulto,
A cobra semimorta, a bandarilha,
E esqueci poços, prossegui oculto.
Desdém que envolve por completo a quilha,
Sou bem o rei saudoso do seu vulto,
Vulto que existe infante numa ilha.
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