||| Onésimo, novo livro.
Li o novo livro de Onésimo Teotónio de Almeida (
Aventuras de um Nabogador, Bertrand, 184 pp.) numa noite de insónia – o Verão é a época delas. E isto apesar de não gostar do termo “estórias”, que já discuti com o Onésimo, um dos pioneiros na utilização do termo, muito antes da sua banalização.
Tenho, portanto, uma declaração de interesses: a de gostar de tudo ou quase tudo o que Onésimo escreve, e que eu leio logo, precisamente porque está bem escrito, porque há assunto nas suas narrativas e crónicas. Desta vez, reparei tardiamente na saída do livro e demorei um pouco mais. O cenário é, como sempre, o mundo da lusalândia, preferencialmente o dos portugueses na América, ou o seu mundo na América. Se tivéssemos lido mais Onésimo talvez não precisássemos de discutir sempre a grandeza e a miséria da América – ele é um cicerone espantoso do lado de lá do Atlântico Norte, um guia sentimental & cultural da costa leste dos EUA, um almanaque vivo do Maine, Rhode Island (Providence, onde vive), Massachussets e um
pioneiro na construção de pontes – pontes vivas e amenas entre culturas e pessoas. Professor de Filosofia na Brown, onde dirigiu durante anos o departamento de estudos portugueses e brasileiros, Onésimo manuseia literatura (ficção, romance, poesia), estudos literários, estudos políticos, sociologia, história, humanidades – portanto – com uma sensibilidade muito prática: ela assenta
em livros, em
referências a livros, em
labirintos formados por livros e, finalmente, em
aproximações pessoais muito vivas à realidade americana e portuguesa e ao universo primordial das suas memórias açorianas. As suas crónicas, quase sempre autobiográficas, quando forem reunidas por um organizador dedicado (e merecem), revelarão um historiador paciente e entusiasta, um leitor obsessivo, um espírito tolerante, um americano nascido entre duas fronteiras, um português nascido entre dois mundos, e uma generosidade raríssima hoje em dia. Não é exagero: é um dos homens mais cultos que conheço.
As suas histórias (“estórias”, ele dirá, mas eu não concordo, de tal modo é utilizado o termo hoje em dia) são, por isso mesmo, de uma ingenuidade tocante. E são, no princípio, puras reportagens.
Durante anos (é um dos meus motivos de orgulho) fui editor dessas crónicas na
Ler (as célebres “Diacrónicas”). Em primeiro lugar, Onésimo é um cronista no estrito sentido do termo – tem «a noção da crónica»: em espaço, em velocidade, em ritmo, em referências, em ambiente, em capacidade de relacionar os temas, e em tolerância temática, que é um valor superlativo na matéria. Há poucos cronistas na nossa imprensa e é uma pena que Onésimo não seja mais requisitado (juntamente com outro cronista excelente, José Rentes de Carvalho, por exemplo, outro estrangeirado português – na Holanda, a que dedicou um livro raríssimo).
Diverti-me com as histórias da predadora sexual californiana (uma Dolly de Santa Barbara); com a sua aventura de navegador entre as ilhotas de Bolton Landing, Lake George; com a ingenuidade com que ele mesmo se diverte escrevendo “Phalo Português” nuns calções; com o episódio de um hotel tailandês onde encontra um casal luso entretido em “cura de casamento” em período pós-revolucionário; com a aventura pela obtenção de um visto dominicano em Puerto Rico; com a narração de um voo no avião que fica sem motor a meio do Atlântico (e com o epílogo de um casal desavindo na pista das Lajes); ou com uma aventura colombiana em Cartagena (ou seja, de Barranquilla a Aracataca) à procura de Macondo. Estas não são, seguramente, as suas histórias mais identificáveis pelo leitor português, nem as suas mais populares. De certa maneira, Onésimo seria um David Lodge português, de tal modo consegue rir de si mesmo e divertir-se (e divertir-nos) com o “mundo cultural e universitário” e as suas vaidades. Se ele quisesse poderia escrever uma de duas coisas: um romance lodgiano (ou rothiano, aliás) sobre esse mundo; ou uma história da vaidade intelectual lusitana vista a partir da América e desmontada por quem não precisa de estabelecer cumplicidades com os mandarins, nem de lhes prestar homenagem. E que ricas histórias seriam, por exemplo, as suas reportagens sobre intelectuais, escritores e professores portugueses na América.
[FJV]