||| Por outros motivos.Zapatero irrita-me, e isto é absurdo. Irrita-me ele querer mudar Espanha, tornar
Espanha «mais civilizada», a deitar-se a horas e a levantar-se para fazer jogging, a viver em ambientes saudáveis e livres do cheiro de
Ducados e de
canarinos (lembro-me sempre dos textos de Montalbán sobre o
Condal n.º1, charuto de eleição de
Pepe Carvalho). Irrita-me a legislação contra a
siesta, aquele perfeccionismo intrometido na vida individual, que terá de passar a ser elegante, limpinha, nada promíscua, cheia de produtividade e de asseio. Mudar a Espanha é atraiçoar a nossa memória de
bocadillos e de
tortilla de bacallao y de patatas, de
pesols a la catalana, de
flamenquines asturianos, de
conill a la brasa amb all i oli, de
boquerones en vinagre,
coquinas al ajillo,
albóndigas con tomate ou
cocido galego. Tenho uma grande nostalgia dessa Espanha incivilizada cheia de adeptos do Atlético e do Real, do Elche e do Ossasuna. Há uns meses, enquanto servia uns calamares fritos, uns pratinhos de
pulpo de feira e umas
empanadas quentes, a dona do Mesón de la Chispa (na Galiza, uma coisa que vem da minha adolescência, juntamente com o vinho branco de Monterrey) queixava-se de que agora toda a gente quer
comida de fusão e que já não se encontravam apreciadores de
lacón con grelos. Às vezes, quando vejo Zapatero sorrir ou revejo a comunicação ao país de Ignacio Buqueras, Presidente da Comisión Nacional de Horarios (anunciando que ia mudar os horários espanhóis para que os cidadãos vivessem mais felizes e menos angustiados), até dos velhos comboios da Renfe tenho saudades, daqueles que atravessavam Navarra a 80 kms/h, para não falar dos textos culinários de Puga y Parga (o autor de
56 Maneras de Guisar el Bacalao) ou das dispepsias de D. Álvaro Cunqueiro. Ou das tardes de
café, copa y puro. Nós temos direito a essa Espanha incivilizada, quero lá saber da Espanha
zapatera.
[FJV]