||| Amapá. S. José de Macapá.
A primeira impressão é a de uma cidade que adormeceu há muito. O avião chega por volta da uma da madrugada e há pouca gente no aeroporto — uma pequena parte das ruas não está asfaltada, mas é por aí que o taxista escolhe o caminho mais curto para o hotel. O hotel não tem telefone no quarto. A rede de televisão AmazonSat transmite sem cessar as imagens das festas de Parintins. Acabaram-se os cigarros — e na
roulotte, junto de um jardim em cujo centro também adormeceu há muito um lago sem peixes vermelhos, só vende cerveja. A primeira impressão de Macapá não é famosa, rodeada de pequenas e de grandes florestas, de rios e sombras. E de povoações que relembram colonizações anteriores, como é o caso de Nova Mazagão, para onde foram residir os ocupantes de Mazagão, depois de abandonada a praça portuguesa do Norte de África.
São lugares retirados ao ruído das cidades e ao rumor da sua história. Os portugueses, que mandaram as suas tropas conquistar o território que hoje é o Amapá, recordaram aos seus generais que aqui não devia ficar memória dos ocupantes anteriores. Assim foi feito. Destruiram-se fortalezas e povoações, e ergueram-se outras, anexadas então ao Grão-Pará. Por estes caminhos passou Pedro Teixeira (um personagem fantástico), delimitando a Grande Amazónia do seu e nosso tempo. Por estes campos e por estes rios passaram os primeiros colonos (açorianos, por exemplo) que vieram para cultivar a terra guardada por fortes e praças militares.
Dois dias depois, quando começo a conhecer os restaurantes de Macapá, a saborear a marginal junto da fortaleza de S. José (uma construção imponente — da mesma série da do forte do Príncipe da Beira, só que maior e menos conhecida) e das suas esplanadas, a estrada de pó leva-nos até ao norte, à fronteira com a Guiana e à proximidade do Suriname. São cerca de quinze a dezoito horas, consoante a meteorologia («o rigor da meteorologia...»), mas valeu a pena ter chegado à hora de almoço, depois de muitas paragens para descansar, fotografar e só para parar, apenas em Nova Canaã, uma aldeia suspensa entre um rio e o limite da floresta, de onde uma estrada nos levaria ao parque que confina com o mar — e que é um dos lugares mais raros que se podem visitar.
E há essa curiosidade: em Macapá, ao sul da cidade, está essa linha imaginária do equador, traçada de verdade sobre o meio-campo de um estádio de futebol, o Zerão — de um lado, joga-se no hemisfério sul; do outro, no hemisfério norte. Por isso, com essa omnipresença do equador, não admira que as noites de Macapá tenham a marca de um fogo permanente, de um ferro em brasa que queima só de leve. Ou seja: por um lado, parece o cenário para um western de John Ford, luminoso, tenso, incandescente, com três quartos de céu; por outro, evoca a ausência absoluta de cenário, de seja o que for que tenha a ver com a história, de ruído.