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por FJV, em 26.12.05
||| Balanço, 4.
Um dia apareceu sobre a mesa da biblioteca um livro de Charles du Bos. Um pré-histórico, para não dizer reaccionário. Antes o ensaio de Jean-Paul Sartre que levava o mesmo título. «O que é a literatura?» Ora, a pergunta não era essa, mas sim: «O que é um texto literário?» (a questão da literariedade era igualmente pré-histórica, valha a verdade, e ninguém se preocupava muito em estudar os textos originais, tanto mais que tínhamos descoberto, oh vaidade pós-adolescente!, que Jakobson se referia apenas à poesia modernista russa). As questões fundadoras eram mais importantes do que a literatura. Foram precisos anos de várias desilusões para perdermos o campeonato. Mesmo aí, a lição veio dos mestres. Em Portugal, Jacinto do Prado Coelho, por exemplo. Ele não era professor da minha faculdade, mas fui espreitá-lo. Aquela alegria era fatal para desmoralizar a nossa vontade de exaustão. Ser impressionista, esse pecado mortal, nem sequer se aprendeu nos livros -- mas na literatura ela-mesma. Ou seja, nos desencontros entre a nossa vida e as nossas leituras. Acho que foi por isso que nunca quis ser professor de literatura. Quando tive que ensinar (quis ensinar) dediquei-me a matérias pouco ou nada flutuantes. O claustro da universidade onde ensinei, em Évora, provou depois que essa intuição estava certa.

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por FJV, em 26.12.05
||| Balanço, 3.
Eu tomava o 18 ou o 42 para ir para a faculdade (na Av. de Berna, claro). À hora de ponta, encontro-o cheio de livros debaixo do braço, além da pasta; éramos de faculdades diferentes mas o «demónio» tomara conta de nós ao mesmo tempo, e às vezes trocávamos fotocópias. Naquela tarde de chuva ele entrou no autocarro, cheio, a transbordar, em plena Av. da República. Aceno-lhe (eu levava o Se7e na mão). Ele grita o meu nome e acrescenta, do fundo do corredor: «Estou a ler Greimas! Estou a ler Greimas!» Sorri, acho eu, corando. E murmurei para o Fernando, que ia comigo: «Pois, o jogo é domingo...»

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por FJV, em 26.12.05
||| Balanço, 2.










Um dos debates era sobre «a alma». Ora, «os estudos literários» não deviam ter nada a ver com «a alma»; a sua matéria eram os textos, as estruturas, as recorrências & repetições, as viagens alucinantes à «gramática profunda» do texto, as contribuições dos mestres (não, não Barthes, sobre quem havia desconfiança depois de S/Z)*. Interrogação pura, literatura transformada em «matéria fanérica». Lembro-me que, uma tarde, a meio de uma aula, Eduardo Prado Coelho mencionou «a alma». Fez-se um silêncio (nessa altura ele ainda não tinha começado o mestrado sobre «pós-estruturalismo»). Um de nós, que tinha devorado Les Mots et les Choses e um pacote que ia de Mukarovsky a Levin, de Lotman a Riffaterre, durante o primeiro semestre, deixou passar o momento de incómodo e perguntou: «Sim? E o que é a alma? Não tem nada a ver com a literatura.»

* - Sim: nessa altura Kristeva ainda não se tinha dedicado a profissões mais lucrativas e Todorov ainda era um mestre de régua & esquadro.

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por FJV, em 26.12.05
||| O balanço.
À medida que vou fazendo o balanço dos livros do ano e lendo os dos outros, aqui e ali, vou reparando como estavam certos os pessimistas das aulas de teoria da literatura durante os debates da faculdade. Alguns terminavam em insulto. Eu era contra «os impressionistas». Na verdade, o estruturalismo era a doença infantil dos estudos literários modernos: tudo a limpo, com aquela transição suave para a «desconstrução». Li muito Paul De Man. Quando encontrei o «pai do estruturalismo» pela frente, numa sala de aula, vi que ele já tinha feito outra transição, para a «hermenêutica», para os clássicos alemães; e que nós tínhamos sido ultrapassados «pela direita». Não me senti traído; senti-me um personagem das novelas de Tom Sharpe, quando Eva Wilt vai de fim-de-semana com um «casal moderno» e «sexualmente livre» para descobrir que era tudo fachada.

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por FJV, em 26.12.05
||| Apostas? Aposto que sim.
A polémica das apostas é ridícula. É ilegal? Parece que não. Que mal faz? Desconfio que me argumentarão com a honorabilidade das coisas presidenciais e com a altíssima carga política que a coisa transporta. Eu sei. Já fiz umas três apostas para estas presidenciais. Venham cá com ameaças da CNE.

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por FJV, em 23.12.05
||| Festejos, lembranças.






Boas lembranças para todos, bons festejos.

Primeira vela de Hannukah no domingo. Boa sorte.

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por FJV, em 23.12.05
||| Balanço literário de 2005.









A emissão do Livro Aberto deste sábado é dedicada a fazer o balanço literário do ano. Convidados da emissão: Isabel Coutinho, Pedro Mexia, Eduardo Pitta e Fernando Pinto do Amaral. Destaque para muitos livros de poesia (essencial), ficção estrangeira (muita), ficção portuguesa (bastante) e ensaio (muito). E piadas, num quarteto bem-humorado, rodeado de livros. A não perder.

RTPN: sábado às 23:00, domingo à 01.00; quarta às 20:00.
RTP Internacional e RTP África: quinta às 05:00, hora de Lisboa-GMT.
2: quarta às 01:30 h.

Excepcionalmente, será repetida na próxima terça-feira (RTPN) a emissão do Livro Aberto com José Pacheco Pereira -- em cima da mesa, a biografia de Álvaro Cunhal.

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por FJV, em 23.12.05
||| Unir os portugueses.
O João Gonçalves chama a atenção para a publicação deste texto no A Minha Rica Casinha. Trata-se de um excerto de um artigo de José Amaro Dionísio, publicado na Grande Reportagem de Abril de 2002, então mensal, sobre a tese de Maria Estrela Serrano acerca das relações entre Soares e a imprensa. Ou seja, como Soares se serviu das presidências abertas para «unir os portugueses»: «"As presidências abertas foram construídas para dar visibilidade ao dr. Soares e para desgastar Cavaco Silva", diz Estrela Serrano em declarações à GR.»

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por FJV, em 23.12.05
||| Finalmente, percebo a cinefilia lusitana.













O Crime do Padre Amaro já é o segundo filme português mais visto de sempre em salas de cinema. Na imagem, Soraia Chaves, a Amélia. Não tirem conclusões apressadas em relação à percentagem de admiradores da personagem feminina; é puro fascínio intelectual.

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por FJV, em 23.12.05
||| Betandwin.
É mesmo verdade. Apostas sobre as eleições presidenciais portuguesas. Mas já lá estão as suecas (de Setembro de 2006) e as americanas (de 2008).

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por FJV, em 23.12.05
||| Maradona detido no Rio.
A ideia de o maradona ser detido num aeroporto brasileiro pareceu-me uma espécie de pórtico para a glória. Fiquei com inveja. O maradona detido num aeroporto, e logo no Rio? Que chique. Mas logo veio a desilusão: afinal era o outro, o falso, o Maradona.

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por FJV, em 22.12.05
||| Patriotismo, Lei da Rádio e defesa daquilo que é nosso. {Actualizado, com as discordâncias.}
Se há uma lei idiota da música portuguesa para impor às rádios uma quota mínima de letras vagamente escritas em português, isso quer dizer que o Estado e o Parlamento andam a privilegiar os músicos em detrimento das outras classes profissionais? Para quando uma lei da literatura portuguesa que obrigue os leitores a comprar um mínimo de 50% de livros de autores portugueses (sim!, para quê Philip Roth ou Cees Noteboom, se temos Saramago), dedutíveis e escrutináveis na sua declaração de IRS (ou através de escutas telefónicas)?

António Viriato discorda: «Permito-me discordar frontalmente. Na Rádio, faz todo o sentido impor uma quota mínima de música nacional. Em quase todo o lado isto é praticado, a começar aqui ao lado, em Espanha. A discussão da qualidade, alegadamente fraca, da música portuguesa, é um sofisma. A maior parte da música estrangeira que passam, anglo-saxónica, tem baixa qualidade e então das letras nem é bom falar. Quando se consegue entendê-las, comprova-se a sua inanidade, a sua pobreza de ideias e de sentimentos, repetitiva por demasia e de teor cultural elementaríssimo, quase para débeis mentais. Porquê condescender aqui na música estrangeira e exigir o contrário na nacional? A comparação com a literatura, feita por FJV, não tem aqui nenhum cabimento. São coisas completamente diferentes. Se não privilegiarmos a música nacional, na nossa Rádio, corremos o risco de desabituar o ouvinte português de a escutar, de a apreciar, criando até uam espécie de complexo, que pode até resultar em aversão, mesmo em relação à que tenha qualidade. Os jovens, principalmente, ficarão sem referências da música do seu país, da sua cultura, e tornar-se-ão presas fáceis de qualquer mixórdia bem comercializada que lhe apresentem. De resto, já nos aproximámos demasiado deste estado de coisas. Um povo que não preserva a sua cultura está destinado a desaparecer ou a ser colonizado por outras mais agressivas, menos complexadas, quer tenham ou não qualidade intrínseca. Isto não significa que nos fechemos aos contributos culturais, musicais, alheios. Nada disso, mas não devemos cair em ingenuidades suicidárias. Espero que este depoimento seja bem entendido. A moda de que o Mercado é que dita a qualidade é um embuste, neste caso, pelo menos. Se não se educar o gosto, se não se der oportunidade à expressão da música portuguesa, se não se oferecer quantidade, dificilmente surgirá qualidade. Quando não havia destes complexos anti-nacionais, a música portuguesa era geralmente ouvida com agrado e tinha melhor qualidade. Basta comparar as canções portuguesas que foram ao Festival da Eurovisão nos últimos 40 anos. Cada ano são de pior qualidade, desde os anos 60 para cá. Será que os autores e compositores portugueses perderam inspiração?»

Não resisto ao comentário da Joana C.D., por mail: «Não ponha mais ideias nas cabeças pensantes dessas luminárias que guardam o "Estado". Eu, portuguesa de gema, (com algum pó galego), correria sérios riscos de passar para a clandestinidade. Imagine-se as meninas (às vezes meninos) da caixa da FNAC a examinarem as nossas compras e preencherem o formulário das "quotas"! E se eles insistirem no mesmo para o calçado? Schhh! Schhh!»

Pergunta a Luísa G. M., por mail: «Acha mesmo que é possível uma quota desse género para a literatura? Está mesmo a falar a sério?»
Não. Não estou a falar a sério.

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por FJV, em 22.12.05
||| Liberdade.
Vale a pena ler o artigo de José Pacheco Pereira no Público de hoje: «Os direitos do Estado e os nossos».

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por FJV, em 21.12.05
||| Sim, Nuno, sim.
Não entrei na guerra dos crucifixos, que é elementar -- definida na lei e tudo. Mas não me importava que limitassem as canções de Natal. Tirando essas, uma ou duas vezes por ano.

Isto a propósito da excelente amostra de música que nos dás.

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por FJV, em 21.12.05
||| Não é presente de Natal.
Mas os tarados, pornógrafos e afins, ficam a saber que o livro da Bruna Surfistinha vai sair em Portugal em Março próximo. Não é um Beckett.

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por FJV, em 21.12.05
||| McGuffin.
O Carlos está de regresso, mais melancólico, citando Beckett: «Pessoalmente, é claro, deploro tudo. Não há uma palavra, um acto, um pensamento, uma necessidade, uma pena, uma alegria, uma rapariga, um rapaz, um medo, uma dúvida, uma confiança, um sarcasmo, um desejo, uma esperança, um medo, um sorriso, uma lágrima, um nome, uma face, um tempo, um lugar, que eu não deplore, para lá de tudo. Lixo, de principio ao fim.»

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por FJV, em 21.12.05
||| O debate.
Cavaco ganhou o debate de ontem. Não pelo que disse. Mas por quase tudo o que Soares fez. Ao contrário do que o ex-presidente disse à saída dos estúdios, não se colocaram questões políticas, na verdade -- mas de carácter. Ontem esteve em julgamento o carácter de Cavaco. É claro que há um argumento em defesa do género: que as questões de carácter nos interessam. Se isso é verdade, Soares revelou um carácter que não me interessa, misturando ressentimento com arrogância, insinuações e com aquele feitio miudinho, chato, de proprietário cheio de certezas. E isto é tudo.

Ver, entretanto, o que escrevem João Gonçalves e MacGuffin.

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por FJV, em 20.12.05
||| Paisagens.













Gelo nas estradas. Montalegre, Pitões das Júnias, Alturas. Tourém, matas de Carvalhelhos. Temperaturas e meteorologia dentro do habitual. Os miúdos escalam as paredes de um castelo e abrem o apetite permanente. Eu leio O Espião que Veio do Frio, de John Le Carré, as desventuras de Alec Leamas, mas só à noite. Não há livro mais indicado.

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por FJV, em 20.12.05
||| Os números.
Suponho que pouca gente seguiu atentamente o debate mensal no parlamento, com o primeiro-ministro. Eu costumo ouvuir quase sempre, e pela rádio. Mais um vez, isto: os números. Cada bancada usa números para trabalhar como malabarista. O governo compara números deste trimestre com os do trimestre homólogo. A oposição compara-os de trimestre a trimestre. A guerra dos números revela aquela pobreza geral que nós sabemos: a da cabeça.

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por FJV, em 20.12.05
||| O cantinho do hooligan.
Afinal, já se percebeu que os relatórios secretos de Scolari podem incriminar quem ele quiser. Neste caso, Vítor Baía, claramente. Mais valia o cavalheiro estar calado. Era bom para todos. Assim, espalha a suspeita sobre a Federação de Futebol, sobre os seus técnicos e, sobretudo, sobre ele próprio. O que há de tão assustador nesses relatórios que desaconselhavam a convocação de Baía?

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