||| Cultura. Quando dirigia a revista
Ler, quis por várias vezes saber «que livros lêem os candidatos». Candidatos a primeiro-ministro (desculpem a imprecisão...), candidatos a Belém. Primeiro, formalidades e protocolo: contactar a candidatura propriamente dita. «Ó pá, vai ser difícil.» Depois, feito o pedido oficial, por fax, meia-dúzia de telefonemas para amigos que trabalhavam nas candidaturas. «Vê lá se me mandas a lista», pedia eu a dois ou três ao mesmo tempo. «Vamos ver, pá, mas ele quer ver isso antes de mandar.» Uma semana de espera. O candidato compunha a sua lista de leituras («os livros da minha vida, vá lá») com recato, inspiração e responsabilidade. Semana e meia de espera. «Tá difícil, há os comícios, ontem fomos para Viana do Castelo, amanhã temos de estar em Évora.» «Mas façam a lista, são quinze livros. Dez livros.» «Vamos ver. Ele não tem tido tempo.» «Mas escreve que era o Sandokan.» «Não pode ser, pá, isto tem de ser bem pensado.» Mais dois dias para pensar. Chegava o fax do candidato, depois o fax do outro candidato, depois o do outro. Telefonemas a agradecer os faxes. «Ó pá, e que livros é que citou o fulano?» «Nada de especial, tu sabes. Eles fazem como vocês, assim por cima, ideias gerais, a Bíblia,
Os Lusíadas, e tal,
Guerra e Paz.» Silêncio. Burburinho. «Ouve lá, ele citou a Bíblia?» «Citou.» «Desculpa lá, mas altera a nossa lista. Tira o Aquilino e põe a Bíblia.» «Tiro o Aquilino?» «Tira o Aquilino.» «Mas ele concorda?» «Bom, a Bíblia é fundamental, não é? Se não for o Aquilino é quem?» «Não sei.» «Então sai o Aquilino.» Depois outro telefonema, cumprimentos e agradecimentos. «Tu sabes, ele queria pôr aquele livro, aquele do...» «Sei.» «Não pode ser.» «Porquê? Se ele gosta.» «Não pode.»