De A. Sottomayor a 12.04.2011 às 11:51
Caro FJV
Este Natal passei como de costume pela dificuldade de encontrar livros para dar de presente aos meus pais, sem repetir escolhas dos meus irmãos, que normalmente se antecipam.
Peguei no Ernestina, do José Rentes de Carvalho, pensei "Olha, este é um que o FJV elogia com entusiasmo...", folheei-o ao acaso e gostei (escolho os livros em primeiro lugar por leitura aleatória de trechos dispersos, para avaliar a forma e qualidade da escrita, só depois pelo assunto: há tanta gente a escrever de maneira igual e aborrecida!).
Depois do Natal vi-o por uns tempos abandonado num canto da sala, até que um dia a minha mãe me disse: - X., estou a ler aquele livro que me deu e estou a gostar imenso! (e a minha mãe não é muito expansiva).
O livro acabou por ser um sucesso na família! Todos os dias a minha mãe me falava dele, sobretudo da qualidade da escrita e das descrições de pessoas e lugares. O meu pai dizia-me: "A mãe lê-me parágrafos inteiros do livro na cama!" Os meus irmãos aguardavam para o ler.
No entanto, nem tudo agradou à minha mãe. A determinada altura disse-me que tinha pensado em parar de ler e mesmo deitá-lo fora, tão irritada estava com a maneira como descrevia pessoas e sociedade, envolvidas num ambiente de mesquinhez e maldade, de hipocrisia e ausência de caridade. Acha impossível a generalização dessas características (ainda não li o livro, mas parece que poucas personagens escapam) e parece-lhe mal transmitir essa visão de Portugal e dos portugueses aos holandeses, que devem ter sido os primeiros e principais leitores do livro.
Mas dominou-se e acabou de ler o livro, sempre apaixonada pela escrita. E mesmo essa intensidade com que a minha mãe viveu a leitura do livro só pode resultar da qualidade da escrita.
Tudo isto, para lhe agradecer a preciosa indicação. Bem Haja!
A. Sottomayor