Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]



Eu censuro-te, mas só ao de leve.

por FJV, em 12.02.11

Para que serve uma moção de censura? Para censurar, repreender, vituperar (eu gosto muito do dicionário dos fenianos e do da Tertúlia Edípica), improperar, pelejar, advertir, increpar, mas também condenar, desaprovar, satirizar, prasmar, açoitar, caluniar, admoestar, acusar, abocanhar ou, vá lá, verberar, reverberar e zagunchar. Tudo coisas que cabem na cabeça de um filólogo e que emprestam alguma graça à cabeça de um parlamentar. Por isso, uma semanas depois das presidenciais em que o Bloco apoiava Manuel Alegre, que era apoiado pelo PS, esta moção de censura é uma espécie de despedida ao candidato presidencial, agora que ele ja não serve. Pobre Manuel Alegre que, se já só servia para lançar a Cavaco, agora nem para memória tem utilidade. Também pode ser vista (a moção) como um acto de contrição: apoiámos «o candidato do PS» mas calma lá, aqui está a prova de que não apoiamos «o partido do candidato que apoiámos». Claríssimo; é uma moção para consumo interno, para satisfazer o eleitorado mais duro do Bloco, que teria ficado chocado com este andar de braço dado com o inimigo. Compreende-se. Louçã (com o seu apuradíssimo sentido sobre a utilidade das moções de censura), aliás, advertiu logo do que se tratava — era uma moção contra o governo mas também contra o PSD, a direita, o PCP (necessariamente), a couve roxa, o regresso da filoxera, os pepinos em conserva, os filmes de Zefirelli, Moubarak, a pesca do atum, a política económica, Júlia Pinheiro e Hannah Montana. Era, portanto, uma espécie de expiação pública, como disse José Manuel Pureza, à maneira de um professor de Coimbra: «esta moção em concreto, com aquilo que ela vai ser do ponto de vista da análise que leva a esta censura, tornaremos muito claro, e quero dizê-lo sem qualquer equívoco» (juro que foi isto, estou a citar). Traduzir-se-ia desta forma: nós apresentamos uma moção de censura contra o governo (para ver se ele cai, quem sabe) mas não esperamos nem queremos que seja aprovada (porque não queremos que o governo caia); não liguem: é uma coisa entre nós, para reequilibrar os nossos complexos de culpa — ou seja, censuramos o governo mas ficamos lixados se a direita e o PCP nos apoiarem. No fundo, apresentamos a moção só para vejam que somos de esquerda. É ao de leve, compreendam. Nós íamos lá fazer uma coisas dessas ao governo. Aliás, um dos nossos objectivos é, «em concreto, com aquilo que ela vai ser do ponto de vista da análise que leva a esta censura, tornaremos muito claro, e quero dizê-lo sem qualquer equívoco» (fiquei com esta frase), impedir outras moções de censura que tenham como finalidade, digamos, censurar o governo. Quem é amigo, quem é?

Autoria e outros dados (tags, etc)


5 comentários

Sem imagem de perfil

De Luisa a 12.02.2011 às 12:07

Mais uma vez, acerta na mouche! É por isso que gosto tanto de o ler.
Quanto à moção, só faltava que, numa situação extrema, o BE votasse contra a própria moção se visse que o resto da oposição a apoiasse.

Bom fim de semana
Sem imagem de perfil

De PALAVROSSAVRVS REX a 13.02.2011 às 11:37

Parece-me exactamente isso, excluindo a ironia e o humor amarelo, o que Sócrates faz ao seu partido e ao País não tem perdão e exige toda a censura. Uma censura muito a sério.
Sem imagem de perfil

De jarra a 14.02.2011 às 11:12

Uma moção de censura tem como objetivo derrubar um governo, o resto é cachopada a brincar à política (lembram-se das RGAs a seguir ao 25 de Abril?).
Logo haveria sempre que encontrar as mais amplas plataformas de entendimento para levar ao sucesso uma iniciativa tão dramática. Aqui passa-se o contrário - o BE anda com o coração nas mãos não vá a sua iniciativa ter sucesso.
A hipótese da Luísa é deliciosa, dava um livro e o mais interessante é que não é impossível ...
Sem imagem de perfil

De torcguimara a 14.02.2011 às 00:41

Francisco, e não será pior manter um indivíduo completamente fora da realidade a (des) governar o país? Será que temos que esperar pela moção do PP ou do PSD? Para quando? Após 9.5% nos juros? Para quando? Após o brent ir aos 115 usd? Para quando? Após subirem as taxas euribor acima de 2,25% a 6 meses? Para quando?

O PSD precisa de dias para reflectir? A lógica era simples: vinda da extrema-esquerda (anti-tudo), dizia-se não. Ora, pondera-se até 3ª para quê? Para na 4ª não irmos aos 8,5% e aí entrada no FMI como no caso da Irlanda?

É obvio que o PSD vai pagar caro por ter viabilizado o orçamento...mas é o interesse nacional em retirar um PM desgastado, sem visão real dos problemas que aí virão...
Senão...quando, quando, Abril, Julho, Outubro?

É preciso unidade nacional, um consenso parlamentar entre o PS (sob outro líder), PSD e o PP para que o FMI actue. É este o nosso destino!
Sem imagem de perfil

De Pedro Lomba a 14.02.2011 às 17:00

grande texto.

Comentar post




Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.