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Nada contra o cinema português (é uma maneira de dizer, uma vez que ninguém é «contra o cinema»). Soube-se hoje que a nova lei do cinema, em fase de consulta pública, agrada muito «ao sector». Não pode senão agradar: mercê de umas taxas a cobrar sobre as receitas das operadoras de telemóveis, dos provedores de internet, das televisões (2% à SIC e à TVI, 3% à RTP — repare-se que a RTP já é, entretanto, financiada pelo Estado), do cabo e, enfim, das «plataformas» & dos média «tecnológicos», as contas apontam para uma arrecadação de cerca de € 80 milhões. É dinheiro. Deste, 20% passa para a Cinemateca Portuguesa, e o restante para o ICA, que providenciará para que seja entregue à produção «de filmes portugueses» e a outras minudências. Não é trágico nem é novidade. O Estado, legislador neste caso, entende que as empresas de média e de telecomunicações têm uma dívida moral para com o cinema português, o que justifica que se lance esta taxa, cobrada directamente, supõe-se — um pouco como acontece com a taxa de televisão & radiodifusão, cobrada através da EDP (o que tem levado algumas pessoas a mudar o seu fornecedor de energia, preferindo a Iberdrola), mas depois de analisados os relatórios e contas das empresas, o que vai um pouco contra o sistema do utilizador-pagador, mas enfim, cada critério com a sua argumentação moral. Como disse, não é trágico — as empresas de telemóveis já fizeram saber que, sendo assim, aumentarão os preços no consumidor (que não é utilizador-pagador). É um financiamento público, e os representantes «do sector» já lembraram que desta vez é preciso, mesmo, cobrar (o Estado revela uma ineficácia geral e contumaz quando lança taxas semelhantes, aviso-vos — veja-se a cobrança da percentagem das receitas de publicidade das televisões, para afectar «ao audiovisual português»). Não é trágico. Mas, como se trata de dinheiros públicos, convinha que o ICA e a Cinemateca tornassem evidentemente públicos os seus contratos e apoios, ou seja, gostaríamos de saber como é aplicado esse dinheiro público. O ICA faria o favor de publicar os contratos de apoio à produção ou montagem de filmes, e — repito, como se trata de dinheiros públicos — devíamos poder verificar a execução desses projectos: qual a política de remuneração, os custos de cada filme (nada que fira o pudor), etc. Em Inglaterra, por exemplo, todos os apoios que ultrapassem as £25,000 têm, correspondente, um caderno de encargos que é publicado na internet; pela net podemos também acompanhar a taxa de execução e as contas finais. Nada do outro mundo. De contrário, vai no Batalha, como se dizia no Porto.
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