Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Pobre homem, Camões. De arauto das glórias do Império a vate do imperialismo e do colonialismo, foi um salto. Já se gostou dele por isso; já se gostou dele (na historiografia de esquerda, por exemplo) por causa do episódio do Velho do Restelo; já se gostou dele por causa do Império e por causa do fim do Império, passando de símbolo das glórias nacionais a sinaleiro da derrota de Alcácer-Quibir. Mas a leitura de Camões é sempre um problema; ele é um dos poetas mais politicamente incorrectos da nossa literatura – glorificava os heróis que matavam com gosto e em nome da pátria, uns matreiros que violavam, ensandeciam, bebiam e procuravam mulheres para se recompensarem a si mesmos depois das viagens atribuladas. Antes da vulgata do islamismo contemporâneo, Camões já imaginava o paraíso como uma reunião de mulheres que aguardavam – numa ilha para lá do mar – os marinheiros portugueses, e à cabeça estavam os que tinham combatido com mais aplicação. Camões na política, então, é uma trapalhada. Escolhem-se uns versos, eliminam-se outros. Com Pessoa é a mesma coisa. Políticos e jornalistas que não sabem distinguir um soneto de uma décima brincam com os que não sabem quantos cantos tem Os Lusíadas e quantas estrofes tem o IX Canto. Pobre homem. Pobres aproveitadores.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.