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A Brasileira de Prazins é, com toda a certeza, um dos grandes romances da nossa língua. Camilo não faz apenas romance & folhetim: como conhecia Sterne, o Mestre, dá aulas de história, de botânica, de deontologia jornalística, esclarece-nos sobre teologia positiva, sobre exorcismo, psicologia & psiquiatria — e sobre gastronomia, evidentemente. Sobretudo quando aparece em São Gens de Calvos, e logo em casa do abade, um falso D. Miguel que se refastela em almoços de quatro e cinco pratos à beira da cama. O falso D. Miguel aparece porque as milícias de remexidos locais acreditam que podem vencer o senhor governador civil de Braga e porque o pedreiro Zeferino das Lamelas anda cheio de ressentimento por ter perdido a noiva para um estudante de teologia. Camilo, um dos nossos melhores miguelistas, ri-se e conta a história do falso D. Miguel, afinal o Trocatles que há-de ser mandado preso para Braga, depois de se ter escondido numas pipas de verde tinto. Quem quiser saber pormenores, está aí o livro — que vale cada cêntimo e é um dos nossos melhores.
Seja como for, o falso D. Miguel é que é. O Minho fervilhava, entusiasmava-se, e os antigos capitães de milícias e saudosos de um McDonnell de boa saúde limpavam as escopetas, bebericavam genebra e imaginavam que, mal a banda tocasse uma modinha à beira do Cávado ou do Ave (do género «Água leva o regadinho») a multidão descia de Fafe, dos Arcos ou de Lanhoso para fazer uma nova Vilafrancada. Camilo, maroto, gozava o prato. Em primeiro lugar, porque ele conhecia o Minho (escreveu sobre Casimiro José Vieira e sabia distinguir um frade de um lorpa); em segundo lugar, porque D. Miguel já tinha sido bastante insultado pela populaça a caminho de Sines e de Génova, e não estava para vir às romarias de barões e de torna-viagem. Gozemos, pois, o prato, que os tempos estão de feição: esta gente está à espera do falso D. Miguel e está disposta a aclamá-lo, mesmo sabendo que ele é falso. Os miguelistas de lei, gente séria, sabem que já houve a concessão de Évora Monte e não estão para brindar ao primeiro cónego que lhes apareça — mas, caramba, esteve aí o papa, houve procissões e acenderam-se velas. E, diante disto, Cavaco promulga a lei dos casamentos gay? Não pode ser. Que daqui a um tempo andem misturados nas festas matrimoniais de primos ou de actores que entram em consórcio carnal com um dos da família, que vá — são os tempos e é preciso estar de acordo com eles («Filosofemos», como dizia o Eusébio Macário, antes de ser feito barão). Mas que Cavaco tivesse feito as contas e chegado à conclusão de que era inútil entrar em guerra aberta por causa de mil, vá lá, cinco mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo, isso não se lhe perdoa. No fim de contas, ele estaria ao serviço da causa — e não passa de um homem de Boliqueime, filho do sr. Teodoro.
Com esta agravante: veio o papa e encheram-se as ruas. Entusiasmados como os regedores à beira do Ave, de Camilo, eles também julgam que agora vai de arrastão. Entusiasmados ainda, pedem uma candidatura presidencial à direita, firme, honrada e perfumada de incenso, com a D. Aura Miguel a comentar em directo. Uma coisa que expulse os libidinosos e castigue os excessos, que devolva a moral às famílias e seja anunciada no meio de uma novena. Os tempos, pensam eles, estão de feição, ergamo-nos em nome da moral, tomemos Belém, persignemo-nos.
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