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Só países educados no «escrupuloso cumprimento» dos seus deveres podem, como a Islândia, declarar falência. Não porque a Islândia tenha cumprido os seus deveres, mas porque compreendeu que tinha que declarar falência. Contra isto, não há PEC que valha. Poucos acreditam no «escrupuloso cumprimento» do PEC, das «metas limpas», dos planos & orçamentos, porque isso providenciará a imagem de uma espécie de país crescido, organizado, capaz daquilo que se promete em momentos de euforia — enquanto um coro de boas e más almas suspira pela falência, ah!, a falência, como Eça suspirava pela Batalha do Caia que pusesse termo à «choldra» como hoje se suspira romanticamente contra a «mediocridade». Há uma diferença entre a Grécia e a Islândia e não é apenas de «natureza económica» — é, além do modo de viver (uma ninharia, supõem os leitores de Excel), pelo que permitirá que a Islândia faça e pelo que impedirá a Grécia de fazer. Há uma certa lógica na demanda da falência, ah!, a falência: retirará ao Estado a responsabilidade pelas coisas difíceis que aí vêm; apontará «o FMI», «o BCE», os outros, como mandantes de uma disciplina que ninguém quer impor; desmantelará o Estado como ele é, com as suas doenças congénitas, famílias de protegidos, varizes, excessos alimentares, vaidades, frotas automóveis, luxos e desperdícios. Poder e oposição vão resmonear diante do atrevimento inevitável. Melhor que fiquemos em pré-falência, portanto: à beira do precipício, verdadeiramente. Encarando os custos.
Mas a memória deve usar-se. A maior parte dos que falam da falência, ah!, a falência, com aquele secretíssimo prazer de enterrar este Estado gastador, cheio de parceiros e de frivolidades, não se lembram da falência real que outros viveram longe das folhas de Excel: salários baixos, pobreza real, falta real (do arroz ao tabaco, da roupa ao pão). Esses não são os salários nem a pobreza real dos decisores da falência, ah!, a falência. A falência real, essa, será sentida pelos que nunca viram os seus salários comparados com os islandeses ou irlandeses (ah, não mencionemos os outros). Por isso, a leviandade é compreensível mas não deixa de ser leviandade.
É certo que o país merece, não haja dúvida — tem os números engatados, as estatísticas são pouco confiáveis, os ministros enganam-se oito vezes seguidas a prever o défice, consome como se não houvesse amanhã, o Estado rouba o pequeno aforro (o escândalo dos certificados de aforro é um exemplo que não atinge «os decisores» nem «os investidores» do BPN ou do BPP) e continua a escolher o que escolhe. Escolhe isto.
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