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O Instituto de Meteorologia em colaboração com a Autoridade Nacional de Protecção Civil alerta-nos para a descida de temperatura, coisa que andará entre os 5° e os -4° durante a madrugada, em dias de céu limpo e azul. Obrigado pela atenção. Isso faz primeira página e provoca a reiterada e persistente opção pela expressão «alerta amarelo» nos avisos à população. Acontece que estamos às portas do Inverno, quando as temperaturas oscilam entre os -8° e os 5° durante a madrugada.
Os conselhos do INMG e da ANPC incluem também um aviso útil sobre a necessidade de utilizar várias camadas de roupa, sobre o gelo que pode acumular-se nas estradas e acerca — finalmente — do frio em si mesmo, uma coisa que acontece com regularidade no Inverno. Nada contra as autoridades porque, se alertam, alguma razão devem ter.
Ontem, uma senhora à porta da padaria queixava-se amargamente do frio, vestida com uma blusinha e um pulôver. Eram cerca das nove da manhã e eu estava de anoraque. A mesma coisa no edifício onde trabalho, onde se faz um intervalo periódico para fumar no exterior, num jardinzinho, onde ouço queixas sobre o frio que faz (senhoras vestidas com uma blusinha e um pulôver). Tento, em vão, recomendar-lhes agasalhos. Parece que está fora de causa. Encaram o alerta amarelo da Protecção Civil com o carácter de um partisan resistindo nas montanhas de onde se vêem as águias brancas sobre a Sérvia. As senhoras vestidas com uma blusinha e um pulôver são um fenómeno lusitano recente, criadas em clima subtropical ligeiramente húmido, habituadas a Verões inclementes e que desconhecem (ou fingem desconhecer) as bravas camisolas de lã tricotadas pelas mães, tias e avós. Os sobretudos estão fora de moda e há cavalheiros que espirram alegremente pela rua fora, nos seus fatinhos de lã fria (boa para meia-estação), com percentagem maioritária de acrílico, muito apertadinhos nos seus três botões — que me fazem frio a mim. Adolescentes de t-shirt e blusãozinho, de cabelo molhado e cieiro, também acontecem em Dezembro, protestando contra o país dos seus maiores, que esfriou de repente, como se o Inverno fosse uma metáfora para renas do círculo polar. Por isso, as autoridades alertam amarelo. Os portugueses foram educados no princípio de que o seu país se deve caracterizar como de clima temperado, quando a verdade é que nos calhou um clima desordenado, de Invernos frios e Verões calorosos, como convém. Mas não se habituam. As senhoras vestidas com uma blusinha e um pulôver andam pela rua fora, como Beyoncés domésticas, de ombros encolhidos e deformando a marreca, queixando-se do frio e murmurando contra a pátria e as temperaturas anticonstitucionais. Em pleno dia de chuva, ventania e descida de temperatura, há jovens senhoras que marcham, vestidas com uma blusinha e um pulôver (aquela coisa levezinha), destinadas ao cadafalso meteorológico, irritadas e de mau-humor. Estão de alerta amarelo.
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A outra coisa é o alerta amarelo propriamente dito. Não há alerta amarelo que a imprensa, a tv e a rádio não festejem com a alegria da tragédia (veja-se este post de há um ano). Repórteres saem para a rua interrogando os cidadãos: num cenário de manchas de neve, a jornalista aproxima-se de um grupo de gente de bóina, boné, gorro, anoraque, etc. «Está muito frio por aqui, não?» Silêncio. «Este frio está terrível», ela insiste. Os homens entreolham-se, um arrisca, loquaz: «É. Está frio.» «E que é que fazem quando está frio?» «Agasalhamo-nos. Ficamos mais tempo à lareira, vestimos mais roupa, um bagaço, e tal, um gorro.» «E este ano é muito pior, não é?» Uma gargalhada. «Não. Há cinco anos foi muito pior. No ano passado estava um pouco mais de frio, mas é Inverno.» «Mas o Inverno é terrível por aqui, não?» Mais um nadinha de silêncio. «Quando vem o Inverno, faz frio», explica um. A repórter cai, inanimada, no seu anoraque de penas e pelúcia nas costuras, de marca finlandesa, revelando, lá dentro, uma blusinha e um pulôver.
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