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Completaria hoje 90 anos, Nina Simone (1933-2003). Todos conhecemos “My Baby Just Cares for Me” mas a história dessa canção é um pouco a história de Nina Simone: em 1959, fazia parte do álbum ‘Little Girl Blue’ (juntamente com a bela versão de “I Loves You, Porgy”, de Gershwin) e a cantora aceitou receber 3 mil dólares como direitos de autor definitivos – ou seja, nunca mais ganhou um dólar com a canção, até ela ser recuperada na Europa em meados da década de oitenta. A história dos seus sofrimentos (cancro, síndrome bipolar, violência no casamento – quase todos os seus relacionamentos tiveram essa marca –, problemas financeiros, solidão extrema apesar de admirada e protegida por amigos, perseguição do Estado) fizeram de Nina Simone uma personagem mítica na história da música popular, das lutas anti-raciais e pelos direitos das mulheres. Mas o mais importante é mesmo isso: pianista invulgar, uma voz que vem sempre do canto de um bar, a cantar “I Put a Spell on You” ou “To Be Young, Gifted and Black”.
Da coluna diária do CM.
Roald Dahl é o autor de Charlie e a Fábrica de Chocolate, Charlie e o Grande Elevador de Vidro, As Bruxas, Mathilda ou as maravilhosas Histórias em Verso para Meninos Perversos (publicados pela Oficina do Livro). Morreu em 1990 mas os seus livros permaneceram – até que o editor inglês, a Puffin, e os herdeiros, decidiram que precisavam de ser “atualizados para os novos tempos”. Uma empresa de “leitores sensíveis”, Inclusive Minds, woke como convém, fez a limpeza: há personagens sem género, deixa de haver gordos e magros, feios e bonitos (ninguém pode ser ofendido), centenas de mudanças retiraram graça aos textos de Dahl, e houve mesmo passagens acrescentadas para tudo ficar mais “inclusivo”. Este é o mundo maravilhoso proporcionado por um editor palerma, por uma família tola e por um grupo de fascistóides moderninhos: mudar um autor depois da sua morte para o adaptar às tolices de hoje. Salman Rushdie chamou-lhe “censura absurda”. Mas já não é absurda; com esta gente, é normal.
Da coluna diária do CM.
Passam hoje 340 anos sobre a sua morte. Tirando Shakespeare, nenhum autor me dá tanto prazer no palco como Molière (1622-1673), sobretudo as maravilhosas Escola de Mulheres, O Misantropo, O Avarento ou O Doente Imaginário, durante cuja interpretação viria a morrer. Uma das originalidades de Molière (Jean-Baptiste Poquelin, o seu nome verdadeiro) foi ter contrariado a solenidade da dramaturgia do seu tempo (Racine, La Fontaine ou Corneille), transportando a sátira mais diabólica para o palco. A sua linguagem era um prodígio de invenção, como uma torrente pronta para o riso e para enumerar os vícios humanos (tal como os tiques, medos, horrores, traumas e hipocrisias da época) e a mesquinhez, mais do que os mitos dourados e históricos. Tudo tão bem desenhado que ficávamos a amar as personagens mais ridículas (Don Juan, Tartufo, O Burguês Fidalgo, Cornudo Imaginário), que acabavam por enternecer-nos. Molière teve esse mérito, o de nos mostrar que não somos nem podemos ser virtuosos.
Da coluna diária do CM.
Talvez o sofrimento seja o grande motor invisível de toda a grande poesia: um amor perdido ou desfeito, a proximidade ou a ideia do fim, a doença, o envelhecimento, uma amizade impossível, a morte dos que nos são próximos e têm um nome colado ao nosso, um mundo em desacordo com o nosso. E, com a idade, sobrevivemos pelo corpo enquanto sobrevivermos – cada parte dele é um nó corredio, entorse, dor, prazer, ouro da criação, anestesia, sombra de uma figueira. Talvez por isso seja um dos livros que mais me acompanhou no último ano e me obrigou a imaginar uma aula de anatomia que foi também uma espécie de evangelho acerca da vida impossível. O Meu Corpo Humano, de Maria do Rosário Pedreira, ontem anunciado vencedor do Prémio Correntes d’Escrita, não pode ser lido apenas como essa passagem do corpo e pelo corpo: o corpo de que Maria do Rosário fala é uma linha que nos atravessa e nos leva tudo. Como um vento, o melhor da poesia nunca fica dito; é um sopro que só as palavras pregam em cada parte do corpo.
Da coluna diária do CM.
Desde ontem que vejo As Tentações de Santo Antão, de Hieronymus Bosch (que está no nosso Museu de Arte Antiga), como uma espécie de metáfora dos horrores que devem constar no relatório sobre os abusos sexuais por membros do clero ou a ele ligados. Em primeiro lugar, é preciso distinguir a coragem dos que, no seio da hierarquia, lutaram pela existência desta Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica – e assinalar o trabalho feito pela comissão. E, depois, relembrar o lado negro: os que, aqui e ali, desvalorizaram e relativizaram o eventual resultado dos trabalhos, nomeadamente bispos. Talvez venha a existir um momento antes e depois destas revelações – que não são as mencionadas nos textos de fé, mas as escondidas nas catacumbas do mal. Ontem já se disse bastante sobre o assunto – mas não o suficiente. O abuso de crianças é uma das proporções do mal. Pedir desculpa não basta; é preciso atravessar o deserto. Quanto mais cedo melhor.
Da coluna diária do CM.
A RTP3 emitiu um documentário sobre alergias – “Um Mundo de Alérgicos”; cientistas e médicos são unânimes em atribuir a crescente vaga de alergias à falta de contacto com a natureza (as plantas, os animais, a terra, o ar). As “alterações climáticas” são também mencionadas como uma espécie de guarda-chuva fácil de encontrar e culpar, mas fiquemos por aí, pela Natureza; com maiúscula. Isto lembrou-me Carl Jung (1875-1961) que, no termo de uma vida consagrada à psicologia e à psicoterapia, recomendava que as pessoas se dedicassem a cultivar plantas e a caminhar pelas florestas. É esse o tema de um dos livros mais cativantes da temporada, Perder o Paraíso, de Lucy Jones (Temas & Debates), que relembra os benefícios de conhecer melhor a Natureza, as árvores, as rochas, as marés, os bichos, o musgo dos bosques, as plantas – e que eles podem medir-se na avaliação da saúde mental. É óbvio. São coisas óbvias e boas que esquecemos. A maior parte dos choramingas não sabe distinguir uma alface de um eucalipto.
Da coluna diária do CM.
Algumas boas almas (e outras com defeitos graves) descobriram que Lisboa não é apenas alojamento local, projetos imobiliários, “unicórnios”, Web Summit, rooftops, turistas no Chiado, brunchs e “turismo de eventos”. Por detrás da Lisboa animada por uma preciosa fauna etérea, moderna e sem pátria, estão “as ruínas do interior”. O cenário da Mouraria não é o do feliz otimismo que anima as burguesias urbanas: é o cosmopolitismo dos pobres e dos deserdados. Muitos daqueles imigrantes entraram em Portugal e deixaram de ser controlados, ou seja: sem documentos, sem apoios, sem alojamento, entregues às ruínas escondidas de uma cidade maquilhada mas suja, atraente para ricos e malvada para os outros. Sim, a política de imigração é uma treta no país do espetáculo e da aparência: primeiro, discursa, cheia de princípios e boas intenções; depois, maltrata, sem dinheiro, paciência ou memória. Quanto à cidade, não muda há muitos anos: continua suja, desagradável e há de ficar pior. Mas trata bem da imagem.
Da coluna diária do CM.
Senti um arrepio quando vi o pequeno filme que o Rijksmuseum de Amesterdão publicou no Twitter sobre os derradeiros preparativos da sua exposição de Johannes Vermeer (1632-1675) – nunca antes estiveram reunidas tantas obras do grande mestre, cuja pintura mais conhecida é provavelmente Rapariga com Brinco de Pérola. A exposição abre amanhã, 10, e prolonga-se até 4 de junho – é ainda possível marcar bilhetes para o último mês. Vermeer nasceu e morreu em Delft, uma pequena cidade holandesa de onde nunca saiu; no entanto, o esplendor da sua obra transcreve o mundo daquele século XVII cheio de grandes descobertas e de grandes viagens, de novas indústrias e de novos costumes do seu tempo. Nada lhe escapou: o amor, o dinheiro, o casamento, as casas, a ciência, a história ou a degradação. Traduziu tudo isso em luz, cor, reflexos, sombras, transparências – além de juventude, riso, velhice e melancolia. No total restam-nos 35 quadros de que esta exposição apresenta 23. Cada um deles é uma vida de beleza.
Da coluna diária do CM.
A 25 de janeiro, um indefeso e solitário imigrante nepalês foi agredido à paulada, socado, pontapeado e roubado por um grupo de saudáveis, bebidos e rijos adolescentes de Olhão. Não parece ter sido o primeiro caso. O nosso PR representou-nos a todos; foi pedir desculpa em nosso nome e pedir um emprego para a vítima; foi um belo gesto, que só Marcelo sabe representar. Por seu lado, o edil olhanense (justiça lhe seja feita, reagiu na hora) teme que o concelho seja visto como um resíduo xenófobo e jura que está tudo bem, que é terra de paz e que há aqui “um problema de saúde mental” que teria levado “os jovens” (ainda não identificados) a agredir à paulada, pontapear, socar e roubar o estrangeiro indefeso como “um misto de diversão e de exaltação das suas raivas”. Compreendo que o autarca também queira ser um bom terapeuta familiar junto do seu eleitorado, mas convém reconhecer que aquela noite de 25 de janeiro teve também maldade, violência, egoísmo, brutalidade e indiferença. Foi há 14 dias.
Da coluna diária do CM.
Talvez não fosse necessário citar a Bíblia, mas há aquele fragmento que lembra o dever de não maltratar nem oprimir os estrangeiros na nossa terra; “pois tu foste estrangeiro” é uma das mais lembranças pertinentes depois do incêndio na Mouraria, que obriga a maior parte dos portugueses (e dos lisboetas em particular) a saber em que condições desumanas são abrigados estrangeiros nas suas cidades, depois de, para foguetório político, as autoridades lhes declararem a solidariedade e o apoio que nunca vieram. Mas aflige-me bastante o caso de Olhão, em que um estrangeiro, isolado, é barbaramente agredido por um bando de rapazes – e estes, apesar de identificados, a acreditar no ministro da Administração Interna, ainda não foram detidos. É um mistério policial na bela cidade algarvia. Parece que não é caso único, mas o autarca de Olhão menciona este pormenor: parece que os adolescentes já estão conscientes da “grande asneirada” que fizeram. O uso da palavra “asneirada” parece, no mínimo, uma asneira.
Da coluna diária do CM.
Ditadores e governantes sem escrúpulos julgam sempre ter o tempo a seu favor. Na maior parte dos casos é isso que acontece. Putin sabe que a opinião pública europeia é muito flutuante, acomodada e habituada a soluções fáceis: ao fim de um ano de guerra – um período invulgarmente longo para um continente que não conhecia conflitos militares há oitenta anos – os apelos “à paz”, “à negociação” e mesmo à entrega de territórios à Rússia são mais sonoros e fazem outro sentido. São uma das coisas que Putin esperava, sobretudo com essa ideia já escutada aqui e ali (veja-se a “proposta” de Lula), a de criar um grupo de países que negoceiem a paz e em que a Ucrânia não entra. Quase tudo lhe corre de feição. Se for esse o desenlace, a doutrina política e estratégica que sai desta guerra é a que protege os mais fortes, os agressores, os governantes sem escrúpulos e os ditadores; duvido que seja esse o desenho de um mundo ideal no futuro, mas os “pacifistas” são imprevisíveis nas suas tendências.
Da coluna diária do CM.
Evidentemente que os alunos são a parte mais fraca do sistema educativo – ou seja, neste caso, do fecho das escolas devido às greves de professores. E, com eles, os pais que, nos últimos quinze dias, encontram as escolas fechadas. É natural que o governo jogue nesse tabuleiro: dentro de dias, “os professores terão contra si uma boa parte do país”. Azares e injustiças do combate político e sindical, com que os professores terão de lidar. E, no entanto, o seu combate devia preocupar-nos porque, além das questões de salariais e de carreira (que são o único motor da Fenprof), há cada vez mais a noção de que a “escola pública” – minada por anos de poder dos burocratas e experimentalistas – corre perigos fatais. Em primeiro lugar, o da qualidade de ensino; em segundo, o da catástrofe dos sistemas de avaliação que está a colocar Portugal na cauda da Europa; em terceiro lugar, no sistema de concurso e preenchimento de vagas em todo o país. Tudo isso faliu ou está a caminho de se tornar insuportável.
Da coluna diária do CM.
O Brasil é um país tão grande que as rebeliões internas (as mais graves as de Farrapos e Canudos) lhe deram água pela barba e chegam para alimentar as tropas; as suas aventuras imperialistas tiveram sempre sucesso, sobretudo no mapa do humilhado Paraguai e nos campos do Uruguai; já o território brasileiro não regista invasões – tirando um episódio cómico francês (da Guiana) no Amapá. Por isso, não espanta que, na sua petulância ignorante, Lula tenha dito vários dislates sobre a agressão russa na Ucrânia – que já tinha prometido resolver à base de cerveja. A questão não está em pedir a Lula que se informe antes de dizer que “só há guerra quando as duas partes querem combater”, como quis ensinar ao chanceler alemão, equiparando agressor e agredido; isso seria impossível. No fundo, Lula foi sincero: não é do interesse do Brasil “ceder munições à Ucrânia” e quer protagonismo num grupo “pacifista” que negoceie a aceitação, por Kiev, dos factos consumados pela Rússia. Velhas amizades, tolices de sempre.
Da coluna diária do CM.
Quando era deputado às Cortes, Calisto Elói, personagem de A Queda dum Anjo, queixava-se amargamente do linguajar dos seus contemporâneos. Calisto, que era bom homem (por pouco tempo), falava como um Demóstenes de Miranda do Douro – mas, ao contrário de mim, tinha a ilusão de poder corrigir os seus pares. A Academia das Ciências (já que no Ministério da Educação se fala sofrivelmente) devia subsidiar o estudo do linguajar penoso, rebarbativo e abobalhado dos nossos políticos e deputados (porque são coisas diferentes), publicitários, diretores-gerais, provedores, magistrados, jornalistas de coisas benévolas e “sustentáveis”, presidentes de fundações, professores de ciência política e administradores-delegados. E é um começo. Depois vêm os adolescentes das juventudes partidárias, bons de açoitar, e os “ativistas” que proliferam como antes acontecia com os frades. Deve existir um algoritmo mandrião e maneta que os convenceu de que, para serem boas pessoas, precisam de falar mal português.
Da coluna diária do CM.
Mau feitio reincidente e notório, baixinho, arrivista e com demasiado pendor para o pugilato (bem como para o machismo e as opiniões inesperadas), estrela da política, hiperssexual desastroso (tem um livro intitulado Prisioneiro do Sexo, que as feministas odeiam) e adúltero contumaz (seis casamentos, um deles encerrado com uma tentativa de assassinato), Nachem Malech Mailer, aliás, Norman Mailer (1923-2007) nasceu há cem anos. Incompatibilizou-se com meio mundo; isso era normal em gente com coragem. Por vontade sua estaria entre nós a beber e a discutir boxe (tema a que dedicou vários excelentes textos), os Kennedy, a história da CIA (a que dedicou um romance monumental, O Fantasma de Harlot), Marilyn (de quem escreveu uma biografia) – e literatura, claro, porque foi um dos grandes romancistas do século XX (Os Duros não Dançam é um dos seus momentos), quando os americanos não escreviam como pregadores nem como queixinhas. Foi um historiador e crítico da América. Um trabalhador incansável.
Da coluna diária do CM.
O jacobinismo e o populismo, cada um nos seus conclaves, rejubilam com a polémica à volta das Jornadas da Juventude; com eles, instituições, flutuadores do costume e políticos a arder põem-se à sombra, caladinhos, porque é Moedas a ser triturado. Escusam. Sobretudo os que desde há quatro anos conhecem a dimensão do evento e só agora fingem despertar – em público, milimetricamente – para o “escândalo dos custos”, cujo orçamento “criticam”. É duvidoso que o Presidente da República e o bispo auxiliar de Lisboa, cujas intervenções são no mínimo estranhas, desconhecessem o que estava em causa: nenhum deles é um corpo estranho às JMJ; sabem que Portugal se convidou para as organizar; os que sabiam os milhões envolvidos representam agora o papel de marcianos, como se os ignorassem; no esdrúxulo caso do bispo, invocando “desagrado” tardio e à medida; no caso do PR, multiplicando-se em perplexidades. Com parte da imprensa a ser usada, custa a acreditar que Santos Silva tenha sido uma das raras vozes sensatas.
Da coluna diária do CM.
O anticlericalismo vibrou de indignação com os custos do palco e plataformas no Parque Eduardo VII para as jornadas da juventude que contarão com a vinda do Papa. Acontece que, no país da Web Summit, também há católicos indignados com esta “obra nunca antes vista”. A indignação é barata entre nós, e ao alcance de qualquer bolsa, sobretudo da dos esquecidos e distraídos. Por exemplo, quando foi anunciado – com pompa, provincianismo e nacional-pacovismo – que as JMJ viria para Portugal, por que razão não se orçamentou a coisa de imediato? Alguém julgou que a alegria presidencial (“acreditámos, conseguimos!”) nos iria ficar barata para receber dois milhões de pessoas em Lisboa? Alguém apresentou a projeção de receitas & custos para descansar almas frívolas ou temperamentos austeros? Não. É mais barata a alegria dos incautos e a indignação dos justos. Evidentemente que nada disto aconteceria se não fôssemos “os melhores do mundo” (“acreditámos, conseguimos!” ) – e tivéssemos juízo ou contas feitas.
Da coluna diária do CM.
Já lá vão mais de quarenta anos quando se publicou em Portugal uma antologia de textos da revista comunista francesa Cause Commune (Causa Comum) sob o título O Apodrecimento das Sociedades – poucos títulos são tão atuais quando pensamos na forma como falamos do nosso país. Outro dia, na SIC, o politólogo André Freire (que é tudo menos um “perigoso direitista”) manifestava a sua preocupação sobre a crise política e os fenómenos correntes de mentira, degradação da forma de governar, desrespeito pelos governados, mediocridade na administração do Estado, má gestão, políticas salariais injustas, casos que indiciam corrupção em larga escala, multiplicação de redes clientelares e familiares na órbita do poder. Se a isto acrescentarmos a dependência crónica do país, bem como a destruição do pobre sistema educativo, podemos dizer – como o disse André Freire, genuinamente preocupado – que é o próprio regime que está em causa. A natureza do regime é benévola, mas as suas doenças são cada vez mais fatais.
Da coluna diária do CM.
É uma nova frente nas “guerras culturais” e o ‘Times’ deu ao assunto largas páginas: escritores não podem escrever sobre personagens, histórias e temas que não fazem parte do seu universo de experiências de “raça”, “género” ou “sexualidade” – ou classe. Isto aconteceu no episódio do Teatro S. Luiz, com o despedimento de um ator “não trans”, e já tinha ocorrido com Marieke Rijneveld (uma boa escritora, infelizmente branca embora não-binária) que foi impedida de traduzir os “poemas” de uma autora negra. Os livros de Philip Roth estão a ser reavaliados porque escreveu sobre um negro quando ele é judeu; Nabokov seria impedido de publicar Lolita; este fascismo cultural é uma coisa séria nos países tolos, mas autores asiáticos ou africanos como Chimamanda N. Adichie ou Kazuo Ishiguro acham a coisa estúpida. Eu, que sou branco, “não posso” escrever sobre coisas asiáticas; nem sobre mulheres ou homens que mudam de sexo. O custo é levar com uma campanha de justiceiros analfabetos e histéricos. Seria uma alegria.
Da coluna diária do CM.
Em 1943, Churchill, De Gaulle e Roosevelt reuniram-se em Casablanca – passam hoje 80 anos exatos. Acordaram numa coisa simples: rendição incondicional da Alemanha. Não haveria negociações com os agressores. Mais: o pós-guerra incluiria “a destruição, nesses países, das filosofias que se baseiam na conquista e na subjugação de outras pessoas.” Uma bela lição para os que defendem a entrega de território ucraniano em troca de paz. Há um pormenor que me comove: Churchill insistiu com Roosevelt para que o acompanhasse a Marraquexe (300 kms, quatro horas de viagem) a fim de verem o pôr do sol nas montanhas do Atlas. Já o vi e é um espetáculo inesquecível. Roosevelt acedeu e ficou mais um dia; depois de partir de regresso à América, Churchill ficou outro dia ainda para pintar um dos seus quadros mais famosos: a mesquita de Kutubiyya (“livreiros”) com a luz das montanhas por detrás – mandou-o a Roosevelt no seu aniversário, a 30 de janeiro. Uma bela história que dava um romance sobre o tempo em que havia gente.
Da coluna diária do CM.
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