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Num avião, nesta segunda-feira, vejo na TAP-TV a notícia de que um relatório internacional com a chancela da OCDE festejou abundantemente a qualidade do nosso ensino. Nunca se deve recuar diante de uma boa notícia, sobretudo se ela é falsa. Sobretudo uma semana depois de ser desmentida.
[Abelardo e Heloísa.]
Através do Jansenista fico a saber que o bispo católico de Lancaster, Patrick O'Donoghue, atribui à educação superior grande parte dos males de que a sua igreja padece ou, pelo menos, afirma padecer – para o bispo, as pessoas que frequentaram escolas superiores e universidades andam por aí a «espalhar o cepticismo» em vez de seguir à risca os mandamentos e, além do mais, são pessoas egoístas que valorizam o hedonismo. A educação, acrescenta, tem um «lado negro»: semeia a dúvida. Ora, eu acho interessantes estas declarações. Normalmente, ouvir-se-ia um coro de insultos e de denúncias contra o cavalheiro. Mas eu limito os danos à pergunta: a quem diz respeito esta arenga bispal? Aos católicos. Limito-me a pedir aos responsáveis da igreja que nos esclareça sucintamente: são todos assim ou é só um vírus de Lancaster?
O Jansenista faz, justamente, um link para esta notícia da BBC onde se relata o ataque de uma milícia talibã a jovens adolescentes afegãs, em Kandahar: com ácido, primeiro; à bomba, depois. Parece que os «estudantes de teologia» são contra a educação das mulheres. À atenção superior.
A senhora directora da DREN escreveu uma carta sobre a distribuição dos computadores Magalhães. Um mimo de estilo, como se vê e como prova a Ana Cristina Leonardo.
Não se pode pedir disciplina, porque é uma palavra de imbecis, segundo ouvi hoje na rádio. O caso da Escola do Cerco do Porto, não vale a pena exagerá-lo ou ceder à tentação da disciplina. Que uma professora seja ameaçada, isso é um pormenor nas estatísticas anuais. Também não se pode dizer que os miúdos andam mais mal criados, porque isso é desconfiar das novas gerações. A fabulosa responsável da DREN pergunta se nós nunca fomos adolescentes ou tivemos uma brincadeira na sala de aula; apetecia-me responder que já fui adolescente e que tive brincadeiras na sala de aula, mas incomoda-me que as brincadeiras de hoje sejam assim. Estamos definitivamente ultrapassados pelo andar dos tempos, pelas novas pedagogias, pelos interesses das Associações de Pais e pela necessidade de arranjar culpados que não apontaram uma arma de plástico à professora. Bom, a professora é culpada, não há dúvida, porque não conseguiu motivar os alunos de forma criativa e «inclusiva». De facto, a culpa também é dos telemóveis, porque permitem pôr estas imagens no You Tube. Como diz a fabulosa responsável da DREN, «no Norte acontecem sempre coisas no último dia de aulas», é Natal, ninguém leva a mal. Entendam-se.
Houve um tempo de completa indigência nas escolas. Uma parte da “classe” safava-se como podia e fazia o papel do funcionário público previamente cansado, evitando o trabalho, aproveitando o artigo 4.º, subindo com diuturnidades e antiguidades, gozando férias prolongadas, recusando avaliações e formação. Com o tempo, a coisa mudou. A escola era vigiada e, ela própria, exigia mais atenção. Ontem, um estudo mostrava que 75 por cento dos professores escolheria outra profissão. É um bico de obra. Não se pode ter uma escola pública de qualidade com o actual ambiente de desconfiança. Por um lado, tem de haver mais exigência e mais rigor; por outro lado, os professores não podem ser tratados como sentinelas de aula ou funcionários do Ministério. É esse o dilema dos dias de hoje.
Acho que não se devem atirar ovos à Ministra da Educação. Acho um comportamento impróprio, como também achei que era abjecto andar a mostrar o rabo a Manuela Ferreira Leite quando esta era Ministra da Educação. Grande parte da esquerda, “rebelde à força” ou por profissão, defende que se devem atirar ovos quando os políticos são de direita; mas defende o respeitinho quando se trata de governantes de esquerda. Penso nisso quando me lembro de políticos que defenderam as ofensas (eram “criativas e revolucionárias”...) a Ferreira Leite ou que atravessavam, sem pagar, a ponte sobre o Tejo. Hoje, vejo-os no outro lado, mostrando um imenso tédio diante da chuva de ovos de Fafe. Os tempos mudam, as pessoas também. Eis por que razão se deve ter tento na língua e cuidado nos actos.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
O Conselho Nacional da Educação vem propor que acabem os chumbos até ao 9.º ano – é uma medida e tanto, que o Sr. Secretário de Estado Valter Lemos festeja com as mãos ambas, uma vez que parece ser ele o encarregado de velar pelas estatísticas. Acho que o Sr. Secretário Lemos está a ser modesto em matéria de “mecanismos de alternativa a chumbos”. Defendo que, na hora do baptismo, perdão, no registo civil, seja atribuído logo o 9.º ano a cada pequeno cidadão. Assim, evitam-se logo os chumbos. Parece, além do mais, que o chumbo é visto como uma tentativa de responsabilizar os alunos e os pais, o que – no entender do Sr. Secretário Lemos e do sempre espantoso Albino Almeida, da confederação dos paizinhos – não pode acontecer. Sim, de facto, onde é que isto se viu? Na Finlândia?
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Governo quer 100% de aprovações no 9.º ano: «Não é uma utopia. Se outros países com os quais nos comparamos o fazem, Portugal também o pode fazer.»
José Medeiros Ferreira faz bem em alertar contra «esses excessos». Infelizmente, não se trata apenas de excessos da imprensa, ou da televisão.
É extraordinário que pouca imprensa, e nenhuma televisão, se tenha verdadeiramente interrogado sobre a natureza festiva das estatísticas apresentadas pelo Ministério da Educação, sobre tão bons resultados obtidos no básico e secundário. Basta perguntar aos nossos filhos: «Como foi a prova de matemática?»
Ou muito me engano ou, no próximo ano, os hierofantes do Ministério da Educação (aqueles que acham que os professores de Matemática percebem de Matemática mas não percebem de «avaliação» -- uma declaração que deveria forçar a comissão de educação do Parlamento a chamá-los para esclarecer o assunto) dirão que houve uma substancial melhoria da estatísticas e que o homem novo está a caminho com uma taxa de sucesso a festejar. Basta ver a manigância a que eles (os que percebem de «avaliação») se dedicaram. Se não fosse trágico para o sistema de ensino, contaríamos mais uma anedota sobre o assunto.
Em apenas dois anos a frequência das aulas de Latim diminuiu 80%. Este ano há apenas 300 alunos a fazer exame da disciplina, o que é bem pouco. A tendência portuguesa é contrária à dos outros países europeus e americanos, onde os estudos clássicos não baixaram a frequência. Não nos podemos queixar. O secretário de Estado Valter Lemos, uma luminária, diz que os alunos não têm interesse no Latim e que “as políticas educativas” não são culpadas. Está errado, como é seu costume. Basta ver a forma como “as políticas educativas” tratam as Humanidades e como o linguajar dos seus queridos técnicos têm assassinado o Português. A “sociedade” não preza o Latim como não preza o património nem o passado, e está no seu direito. Mas fica mais pobre. É uma notícia para o 10 de Junho.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Periodicamente, ao longo do dia, interrogo-me sobre este magnífico pedaço de texto. Volto atrás e leio, decomponho em frases, palavras e orações. Dá sempre o mesmo resultado. É como se estivéssemos a falar com um dicionário de horrores. E volta o eco: «aprender e ensinar competências», «cenário estruturante e holístico», «desempenhos ajustados à exigência de uma sociedade global multidiferenciada», «saberes mobilizáveis», «conhecimentos reais e instrumentais, muito para lá da simples informação trazida pelos conteúdos». Como foi possível que esta gente, com esta gramática, tomasse o poder e abusasse dele e da nossa paciência?
«Na escola desejável, alunos e professores encontram no seu quotidiano um fio condutor apelativo e comum, que é o de aprender e ensinar competências, num cenário estruturante e holístico onde ser pessoa é ser tolerante, flexível, crítico, e é, também, ser capaz de desempenhos ajustados à exigência de uma sociedade global multidiferenciada, que apela a saberes mobilizáveis, conhecimentos reais e instrumentais, muito para lá da simples informação trazida pelos conteúdos, em si mesmos redutores e simplistas.» (Miriam Rodrigues Aço)
Citado pelo João C. D., directamente do Público.
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