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2007. Um ano como os outros. Parte 1.

por FJV, em 27.12.07

A
Acordo Ortográfico – Cerca de 1,45% da grafia portuguesa (contra 0,86% da brasileira) será alterada com o Acordo Ortográfico. A aprovação definitiva será em 2008.

 

Agustina Bessa-Luís – A escritora está doente. Mas os seus livros são das coisas mais vivas da nossa ficção.

 

Alberto de Lacerda – Morreu um dos grandes poetas da Ilha de Moçambique (o primeiro deles, Rui Knopfli, o autor de A Ilha de Próspero, deixou-nos no maior silêncio há alguns anos). Alberto de Lacerda (Ilha de Moçambique, 20 de Setembro de 1928 - Londres, 27 de Agosto de 2007) deixou uma obra ignorada e clássica. Eduardo Pitta recorda-o num texto em que assinala um dado essencial: «Viveu sempre numa terra de ninguém.» Extraterritorial.

 

Alcochete – Jamais. O ministro Mário Lino referia-se ao deserto da Margem Sul de Lisboa, como o mais inóspito dos territórios para o novo aeroporto. Desde 1999 que a Ota estava escolhida e as contas feitas.

 

Amêijoas e corvinas – O vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa recordou-nos a existência de amêijoas e de corvinas nas águas do Tejo. Com elas, José Sá Fernandes queria diminuir a dívida da CML.

 

Amos Oz – Amos Oz, o grande escritor israelita, foi contemplado com o Prémio Príncipe das Astúrias. Ninguém como ele se tem batido pela paz no Médio-Oriente. Ninguém como ele tem espelhado na sua obra de ficcionista as grandezas e as misérias de Israel. Leia-se Uma História de Amor e Trevas, recentemente traduzido entre nós.

 

ASAE – A Autoridade mais mediática. Faz-se apresentar rodeada de câmaras de televisão, com coletes à prova de bala e capuzes de operacionais militares. Sendo certo que o seu papel é imprescindível e que a sua vigilância é necessária, há exageros que lhe foram fatais. Se a ASAE actuasse pela Europa fora, haveria levantamentos populares. Aqui, somos discretos e aceitamos tudo.

 

B

Barreto – Foi o ano dos programas de António Barreto sobre Portugal, para a RTP. A voz de António Barreto confere mais credibilidade aos números, aos dados, às análises. Fazia falta esta série. O retrato é comovente e digno; aparece-nos pela frente um país que mudou mesmo, e que mudou definitivamente em alguns aspectos. Por isso, o retrato é comovente. O livro de Barreto sobre a década prodigiosa (os anos setenta-oitenta), publicado há uns bons anos, já dava conta dessas mudanças e convinha lê-lo. Na verdade, o que realmente não mudou grande coisa, de 1975 para cá, foi o discurso da politicagem. O programa de António Barreto é o mais cruel desmentido dos profissionais do apocalipse e da política; não porque seja feito contra eles, claro que não. Mas porque é um trabalho sério, profundo e, ainda por cima, bem escrito, realizado e apresentado.

 

BCP-BPI – A história da união que não se fez é deliciosa. Eu fiquei a ganhar porque tenho conta no BPI.

 

Bélgica – Tantos meses sem governo e vive razoavelmente.

 

Boxe – Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, dois boxeurs cubanos, desertaram da delegação cubana durante os jogos Pan-Americanos do Rio. O governo brasileiro mandou que eles fossem presos e deportados, a 4 de Agosto último. Regressaram a Cuba num avião colocado à disposição por Hugo Chávez.

 


Bruno Tolentino – Não é preciso ser muito conhecido. Ele era muito bom. Em Julho morreu Bruno Tolentino, um dos grandes intelectuais brasileiros: «O Brasil que eu conheci, e do qual me recordo vivamente, era um país de grande vivacidade intelectual, mesmo sendo uma província. Não estou sendo duro com o Brasil. Quero saber quem seqüestrou a inteligência brasileira. Quero meu país de volta.» o autor de A Balada do Cárcere e de O Mundo como Idéia, viveu na Europa desde 1964 e esteve preso em Inglaterra (em Dartmoor, injustamente, por tráfico de droga: o governo britânico foi obrigado a um pedido de desculpas) foi parceiro de Cecília Meirelles, Bandeira, Drummond, ou João Cabral de Mello Neto. Curiosidade: a sua tia, Lúcia Miguel Pereira, foi biógrafa de Machado de Assis. Amigo de Beckett, W. H. Auden ou Elizabeth Bishop, e admirado por St. John Perse. Em 1996, siderado com os «intelectuais do regime» («elite analfabeta e totalmente irresponsável que entregou nossa cultura; nem estou falando da nossa classe média, que tem dinheiro para gastar em boates e shows e sair de lá gargarejando cultura...»), de Marilena Chauí aos manos Campos e aos cantores da rádio, deu uma entrevista notável à Veja.

 

C

Caixa Geral de Aposentações – Um dos fenómenos do ano. Juntas médicas e crueldade. Eis como o horror funciona.

 

Calças de cós baixo (1) – Acabaram. As mulheres voltam a ter cintura e deixamos de ter de ver excrescências deselegantes e disformes a saltar das calças. Guardado passará a estar o bocado, como deve ser. A devolução da cintura às mulheres (os jeans Diesel e Levis já não produzem calças de cós baixo há longos meses) constitui um marco estético de primeira grandeza, acabando com corpos desfigurados pela moda de calças mais pirosa dos últimos tempos, desde a boca-de-sino. O cós baixo das calças transformou a barriga (a barriguinha, esse pedaço fatal e delicioso) em pança e material elástico transbordante, deformando o corpo de milhões de adolescentes e traumatizando outros milhões de mulheres maduras que deixaram de poder comprar calças decentes, com cintura normal.

 

Calças de cós baixo (2) – E calças caídas até debaixo da bunda. Já vai em 20 o número de cidades americanas que impuseram posturas sobre o direito de os adolescentes e rapazes do hip-hop mostrarem as cuecas só para andarem de calças penduradas abaixo da bunda.

 

Câmara de Lisboa – As eleições para a CML deixaram de ser um assunto político para passarem a ser matéria de juristas de direito administrativo, do DIAP e de contabilistas e especialistas em direito bancário.

 

China em Portugal – O ministro da Economia português não se cansou de avisar os chineses de que Portugal tem os salários mais baixos da Europa, para tentar convencê-los a desembarcar em Lisboa. Há uma sensação absurda de uma certa miséria do investimento, não? O que choca são os baixos salários de 75% da população. Os chineses podem agradecer a lembrança e instalar-se em Aveiro ou em Santarém com fábricas e tecnologias, explorando os baixos salários portugueses. Na lógica de Pinho, eles vêm, os portugueses ficam com emprego e, depois, os salários crescem mais tarde. Pode ser que aconteça assim. Mas que um português não se indigne depois de ouvir as palavras de Pinho sobre a triste verdade da pátria (os baixos salários...), seria abaixo de cão.

 

China no Mundo – A União Europeia foi à China dar-lhe palmadinhas nas costas. Mas com respeitinho. Se a China diz para não se receber o Dalai Lama, não se recebe o homem, que diabo. Se a China acha que Taiwan é parte do território nacional e que só há uma China, que diabo, aceitemos. A China pede que nos coloquemos de cócoras? Pois que remédio. É preciso condenar Taiwan porque, lá, querem fazer um referendo? Condenemos. Entreguemos Taiwan à China. Taiwan tem eleições periódicas, mas que diabo, a democracia é um pormenor. E os direitos humanos são bons para os outros, os não-chineses. Os relatórios da Amnistia Internacional são bons para condenar uns; mas os chineses estão fora.

 

Cidade Proibida – Cidade Proibida, o primeiro romance de Eduardo Pitta foi publicado em Maio, edição da Quid Novi. É uma notável primeira viagem de Eduardo pela natureza do romance. E por uma história que teve coragem de contar. Saiu também Intriga em Família (edição Quasi) a reunião dos textos essenciais do seu blog.

 

Cimeira Europa-África – Em Lisboa, a cimeira da UE com países de África foi um passo necessário. A maior parte dos representantes de África era composta de ditadores e de maus governantes. Mas é provável que sejam mais vigiados a partir de agora.

 


Comisión Nacional de Horarios – Em Espanha, o socialismo de plástico inventou uma Comissión Nacional de Horarios para decidir a que horas os espanhóis deveriam deitar-se, regressar a casa, estar «com a família», levantar-se ou viver. O objectivo era acabar com a siesta. [Nós temos direito a essa Espanha incivilizada, quero lá saber da Espanha zapatera.]

 

Computadores na sala de aula – Maravilha. Computadores para tudo. Tudo aparece no computador; é uma perda antropólogica. Como já deixámos de convencer os meninos a estudar a tabuada e a exercitar a memória. Bem fazia Carlos Fiolhais quando defendia, com suprema ironia, a distribuição geral de calculadoras aos alunos do básico. Assim nunca mais falhavam contas e até melhoravam a mobilidade dos dedos. Digital.


Concentração editorial - Um fenómeno inteiramente novo na edição portuguesa, pelo menos com esta dimensão, e que marca o terreno entre dois grupos, o Explorer/Oficina do Livro (onde estão, além da Oficina, a Teorema, a Casa das Letras, a Sinais de Fogo ou a Gradiva mais recentemente), e o de Miguel Pais do Amaral/Asa, que inclui a Asa (e, com ela, a Caderno, a Oceanos, a Lua de Papel ou a Babilónia), a Texto, a Gailivro, a Caminho e agora a Dom Quixote (há murmúrios sobre a chegada da Difel...). Contemos ainda a Bertrand (Círculo de Leitores, Bertrand, Temas e Debates e Quetzal). Resultados? Alguns longos anos pela frente.

 


Cristiano Ronaldo – Ronaldo é génio puro, talento, brilho, inocência. No seu pior, desculpa-se em nome daquele sorriso de miúdo. Durante um ano, os scolarinianos odiaram-no, porque ele «não jogava para a equipa», e o mestre (Scolari) chegou a afrontá-lo, dizendo que Nani é que era, Ronaldo não ia lá, era uma criança. É verdade. É uma criança cheia de talento. Odiado porque namorava com loiras exuberantes, porque queria a bola só para ele, porque «não jogava para a equipa» (o Manchester nunca se queixou), porque era preciso invejá-lo e baixar-lhe o nível de brilho – para se parecer mais com a merda do futebolinho luso. Na verdade, ele é o melhor.

 

D

Darfur – Depois de muita gente passar anos a lutar contra a barbárie, a ONU decidiu que era assunto que merecia atenção.

 

Dupla tributação – A Comissão Europeia notou que Portugal pratica a dupla tributação no imposto automóvel. Daí (a notícia é de Julho), mandou reparar o mal feito. O que fez Portugal? Recorreu. O ministro das Finanças declarou que «Portugal vai recorrer da decisão da Comissão Europeia». Ninguém reparou? «Portugal vai recorrer»? Portugal vai recorrer? Ou «o Estado português vai recorrer»? Alguém explique esta coisa básica. Não se trata de Portugal. Trata-se do Estado que impõe dupla tributação e que, se pudesse, imporia tripla tributação.

 

Denúncias – Veja-se como o DN começa esta notícia: «O Governo lança hoje um guia de combate à corrupção que pretende alertar funcionários públicos e cidadãos em geral para a gravidade do fenómeno, procurando dar-lhes as ferramentas necessárias para o evitar e, sobretudo, para o denunciar.» A denúncia de judeus velhos e cristãos novos foi o que se sabe. A denúncia por maldade. A denúncia durante a I República. O denuncismo durante a revolução. A denúncia para as primeiras páginas. A denúncia vergonhosa. A denúncia dos pobres e ofendidos. A denúncia de adúlteros e de sodomitas. A denúncia à PIDE. A denúncia aos padres & às auctoridades. As cartas anónimas que circulam na Administração Pública. A perseguição a quem se queixa com bases legais. A queixinha avulsa (sabem do que estou a falar...). A queixinha por método. A denúncia por hábito. A maldade de vizinhança. O Ministério da Justiça partilha das inquietações da sociedade sobre a corrupção e quer, portanto, comprometer a sociedade nessa luta sem tréguas e sem quartel. Já havia uma Carta de Ética, dos tempos de Guterres; mas agora são os funcionários públicos que estão a ser desafiados. Denunciem. No Brasil há um Disk-Denúncia permanente e abrangente. A sociedade deve vigiar-se. Controlar os vizinhos e combater o tráfico de influência. Ser honesta e não aceitar gratificações. Mas há razões para ter algum medo. Basta conhecer a história da denúncia em Portugal.

 

Dida – O guarda-redes do Inter simulou ter sido agredido. Exemplar a punição de Dida por ter encenado aquela pequena tirada de teatro no jogo com o Celtic. Esperemos que o caso faça jurisprudência.

 


Douro. Redescobri a minha terra – O Douro está cada vez mais bonito. Desculpem a expressão. Turismo, bons hotéis, bons restaurantes (como o excelente DOC, na Folgosa, na mais bela das estradas fluviais portuguesas, entre o Pinhão e a Régua; ou o Douro In, na Régua), quintas preparadas para degustação de vinhos, bom turismo rural. A minha terra merece. Ainda é pouco, mas merece.

 

DREN – Ficou sinónimo de bufaria e de perseguição. A directora da DREN reconheceu que recebia denúncias por sms; o ministério não teve a coragem simples de se demarcar. A responsável pela DREN, avisada por alguém (que achou por bem denunciar o caso, sabe-se lá porquê) achou que o comentário do professor era um insulto ao primeiro-ministro e resolveu suspendê-lo de funções e instaurar-lhe um processo disciplinar, com participação ao Ministério Público. O líder do PS-Porto achou que se tratava «de um procedimento absolutamente normal». Luiz Fagundes Duarte (coordenador dos deputados socialistas na comissão de Educação), achou ser «evidente» que «é preciso fazer qualquer coisa quando os políticos são achincalhados na rua».

 

E


Eduardo Prado Coelho EPC foi um dos nossos grandes pensadores sobre literatura. Professor e mestre de duas gerações, a perda de Eduardo Prado Coelho foi uma das más notícias do ano. Era agradável não estar de acordo com ele, porque EPC sabia o que era uma polémica. 

 

Escravatura – Já todos o esqueceram, mas o caso dos trabalhadores portugueses libertados em Espanha é chocante. 13 de entre os 17 que traficavam trabalhadores portugueses em Navarra eram portugueses. Escravatura com selo de garantia.

 


Escutas – Segundo o Procurador-Geral da República, todos estamos sob escuta. Todos podemos ser alvo dos «aparelhos para escutas ilegais à venda no mercado»; não nos bastavam os aparelhos legais para escutas aparentemente legais ou ligeiramente abusivas, como ainda há aparelhos para escutas ilegais. O que as autoridades propõem, portanto, é que se impeça a venda dos «aparelhos para escutas ilegais» em Portugal; a partir daqui, os aparelhos ilegais passarão a vender-se apenas pela internet ou a quem vá a Espanha, ao Brasil ou aos EUA.

 

Estripador de Lisboa – Prescreveu, em Julho, o caso do estripador de Lisboa e aparentemente ficam por esclarecer os crimes de 1992 e 1993.

 

F


FC Porto – Campeão nacional. Contra a “imprensa” desportiva e contra a opinião da larguíssima maioria dos portugueses, o que é saboroso. Se fosse por votos, o FC Porto seria afastado. Mas futebol é no relvado. Bola.

 


Fernanda Botelho – A autora de A Gata e a Fábula passou muito discreta pela literatura portuguesa deste século. Esta Noite Sonhei com Brueghel é o seu regresso nos anos oitenta. Morreu discretamente no final deste ano.

 


Francisco Umbral – Outra das perdas do ano. Um das suas últimas crónicas:  «Me da la impresión de que se están consumando y consumiendo temas y sistemas del siglo XX. Hay menos novedades y sorpresas. Ya no se inventan bicicletas geniales en el pensamiento, la ciencia, la técnica...»


Fiama - Morreu em Janeiro uma das vozes essenciais da nossa poesia. Poesia densa e do melhor da nossa língua, onde a dificuldade de escrever não mascarava, nunca, a dificuldade de viver.

 

Fumar - Na Califórnia, a cidade de Belmont vai proibir que se possa fumar no interior das casas. Reparem bem: no interior das casas. Lá dentro. Direitos cívicos, onde andais?

 


Fundo do mar dos Açores – Uma equipa de investigadores portugueses vai estudar o fundo do mar dos Açores, no âmbito da proposta de extensão da soberania náutica além das 200 milhas náuticas.  «No novo pedacinho de Portugal, para os lados dos Açores, existem fontes de água quente, a 2300 metros de profundidade, onde a luz do sol nunca chega.» Aviso-vos: é um mar fascinante, uma das nossas maiores riquezas.

 

Fuso horário – Hugo Chávez mudou o fuso horário da Venezuela. Não uma hora, não duas, não três. Mas meia-hora. Segundo o ministro de Ciência e Tecnologia, Hector Navarro, a medida visa «uma distribuição mais justa do sol». Meia hora.

 

 

G

Gang da Ribeira – Não há gang da Ribeira, mas o nome é útil. Há gangues da Ribeira, como há gangues na Segunda Circular. A noite do Porto é como as outras noites, e o que está em jogo é o costume: tráfico, droga, poder, vinganças, ciúmes, mulheres, ódios.

 


Grandes Portugueses – Era só um concurso televisivo. Salazar ganhou o concurso porque era um concurso televisivo; e Cunhal ficou em segundo lugar porque era um concurso televisivo. Os militantes votaram. Mas no caso de Salazar há vários factores. Em primeiro lugar, contou o facto de não ter sido incluído na lista inicial da RTP, claro que contou – e claro que se tratou de censura involuntária. Em segundo lugar, foi tanta a gritaria contra o velho beirão, que as pessoas se irritaram. Em terceiro lugar, foi um voto de protesto (sei que é banal dizer isso, mas não há como fugir à questão). Tirar conclusões acerca de um concurso televisivo? Claro que pode fazer-se. Dá uma imagem do país? Dá. Perguntem às esquerdas que agora protestam o que fizeram de verdade para impedir essa imagem salazarenta do país.

 

H

História da Europa – Dos cerebelos da Comissão Europeia veio a rica ideia de um livrinho único de História da Europa, como um catecismo para o melhor dos mundos. Veremos as crianças alemãs e portuguesas e polacas e espanholas e holandesas e italianas e checas a festejar versões comuns sobre tudo o que nos divide. Claro que já existe um modelo franco-alemão como inspiração a servir de choucroute. Não é a defesa da Padeira de Alubarrota, contra os espanhóis, que me inquieta. Talvez exista um problema imediato com as invasões napoleónicas e com o jogo de alianças em que andámos metidos. Em geral, trata-se de uma operação de limpeza muito adequada.

 

Hugo Chávez – Perdeu o referendo mas não perdeu a legitimidade. Ouviremos falar dele durante 2008. Se fosse pelos seus amigos trotsquistas, comunistas e ex-comunistas, já tinha começado a nova fase da revolução permanente.

 

I

Ingmar Bergman – Um dos mágicos do cinema e do teatro desapareceu em pleno Verão.

 

J

Jacques Chirac – Partiu. Rodeado de suspeitas e de despeitos. Ele era o emblema da França arrogante e imperial depois do imperialismo. Não deixou saudades nem chiraquianos.

 


João Vário – Morreu no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde, o poeta João Vário (aliás cientista e neurocirurgião João Manuel Varela, aliás poeta Timóteo Tio Tiofe, aliás contista G. T. Didial), o meu eterno candidato africano ao Prémio Camões. Um grande poeta de língua portuguesa.

[Leia aqui alguns poemas de João Vário.]

 

Joe Berardo – Ele tem aquele sotaque e aquele defeito de fala. É rico, poderoso e madeirense. Enriqueceu, o que é um pecado. Diz o que pensa antes de pensar no que diz. Está no BCP para ganhar dinheiro e não gosta que o roubem. Não sei se é tão odioso como o pintam, mas não é parvo. Apenas conhece o seu lugar e sabe o poder que tem.

 

Jogging é de direita? – Uma pergunta imbecil. Para o Libération não: «Le jogging, bien sûr, se retrouve du côté de la performance et de l’individualisme, valeurs traditionnellement attribuées à la droite.» Sarkozy faz jogging porque é de direita. Sócrates faz jogging porque é jovem e saudável.

 


José Eduardo Agualusa – Agualusa ganhou a edição deste ano do Prémio de Ficção Estrangeira do The Independent, com O Vendedor de Passados. Na entrega do prémio, até os seus inimigos angolanos estiveram presentes; do pessoal diplomático português, ninguém, apesar de terem sido convidados – e de Agualusa viver em Lisboa. Dá pena. Mas o seu romance As Mulheres do Meu Pai é um dos acontecimentos do ano – e o seu melhor romance. O mais romance de todos os seus romances.

 

K


Kate McCann – A imprensa desdobrou-se em investigações «sobre os vícios de Kate»: ela frequentava «esplanadas, charcutarias e lojas de roupa, decoração e produtos de beleza», e não dispensava o seu cabeleireiro. Coisas terríveis que uma boa mãe não devia fazer. Neste início de semana somos informados de que ela tinha a alcunha «lábios quentes» na universidade, «e não recusava um copo a qualquer hora». Há sempre uma maldição que vem do passado para justificar seja o que for. Uma coisa é o segredo de justiça; a maldição é completamente diferente. A imprensa e a polícia andam a estudar o «caso Medeia». Depois, descobriram que a mãe achava que as crianças eram histéricas, que Maddie era hiperactiva e que o marido não ajudava a tratar dos gémeos. Daí se infere, portanto, que estava tudo escrito. O que se pretendeu fazer com a «caracterização psicológica» de Kate McCann é uma filha da putice.

 

L

Licenciatura de José Sócrates – O que estava em causa era a verdade e a manipulação de dados. O que interessava saber no caso da licenciatura de José Sócrates? Se é licenciado em engenharia parece ser o menos. Agora, se mentiu num pormenor destes, já é outra coisa; porque um primeiro-ministro não pode fazê-lo, sob o risco de ficar para sempre desacreditado. No entanto, no seu afã de defenderem o primeiro-ministro e dizendo que «um curso superior não é necessário», alguns comentadores começam por dar um mau exemplo às gerações vindouras. Não é necessário um curso superior? Como não é necessário um curso superior? Uma coisa é ser tratado por Sr. Dr., Sr. Eng.º, o que for; outra, diferente, é a desvalorização do estudo propriamente dito.

 

Lisboa – Lisboa merece tratamento urgente. Limpeza, verificação, transfusão, higiene, apoio. O The New York Times diz que é um dos destinos de 2008 e não é por acaso – mas preparem-na.

 

Livros – Em Abril, na Guarda, uma casa desabitada foi assaltada; roubaram uma estante cheia de livros. Insisto: levaram mesmo os livros. A ladroagem está a subir de nível. Parabéns.

 

Luís Cardoso - O novo romance de Luís Cardoso, Requiem para o Navegador Solitário (Dom Quixote): Timor, 1941, invasão de Timor pelo Japão, uma personagem a deixar saudades (Catarina), a fazenda Sacromonte, personagens a lembrar Somerset Maugham, tudo muito bem escrito. Um belíssimo romance.

 

M

Markos Kyprianou – Ele vai tratar da saúde aos europeus. O homem é cipriota mas não deixa de ser poderoso. É o Comissário Europeu da Saúde e Defesa do Consumidor. Sofre do mal geral dos cavalheiros da União, tratando-nos como idiotas e cobaias – só ele detém a verdade e a garantia do bem geral e do bem particular. Daqui a alguns anos, Kyprianou vai entrar pelas nossas casas dentro, vigiando, vigiando. Ai de nós se nos tentarmos por um bacalhau à lagareiro.

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6 comentários

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De pedro oliveira a 28.12.2007 às 00:35

«Se fosse por votos, o FC Porto seria afastado. Mas futebol é no relvado. Bola.»

Isto é irónico, não é?
No campeonato passado valeu tudo desde golos marcados com a mão até aos caricatos quatro golos sofridos por Nuno (actualmente no FCPorto) na última jornada para impedir a equipa com menos derrotas (duas) o Porto teve cinco e menos golos sofridos (15) o Porto sofreu 20 de ser campeã.
Pergunta-me:
- E nos confrontos entre os dois?
Respondo:
O Porto empatou em Alvalade e foi derrotado no Dragão.
Concedo que como ironia está bem...
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De Sara a 28.12.2007 às 12:00

CURIOSO...

De tantos aspectos bons e menos bons mencionado pelo FJV (e muito bem por sinal), sobre um ano complicado, o unico que lhe merece comentário é a vitória do F C Porto!!!!
Porque será? Inveja? Distracção? Teve que ir dormir e só leu até ao F?

Enfim....

Sara
saradfalves@hotmail.com
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De caramelo a 28.12.2007 às 11:16

"Se a ASAE actuasse pela Europa fora, haveria levantamentos populares. Aqui, somos discretos e aceitamos tudo."

É verdade, méne! Até aceitámos que fechem a Ginginha do Chiado, esse grande esteio da cultura popular, que só não é Património Universal da Umanidade porque os gajos da Uniesco estão feitos com a ASAE! Eu deu-me uma vontade maluca de partir tudo quando ouvi que tinham fechado a Ginginha de Alfama, ó pá! Fasciiiistas! Abram a Ginginha da Mourariiiiiiiia! E quero comer castanhas com colher de pau e mai nada! Não nos tirem isso, plamordedeus!
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De Rodrigo a 28.12.2007 às 14:33

Ó sr Caramelo
Infiltrados da ASAE aqui?
Há tanta estrada, e logo aqui?
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De rms a 28.12.2007 às 15:38

Só um reparo... O Dida é guarda-redes do AC Milan e não do Internazionale.

Saudações
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De caramelo a 28.12.2007 às 16:33

Não percebi, Rodrigo. Eu estava precisamente dizendo que deveriamos fazer um levantamento popular contra a actuação da ASAE, concordando com o FJV, e você vem-me com essa de ser infiltrado da ASAE? Tarrenego, cruzes canhoto, você tá doido, homem?

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