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por FJV, em 13.06.06
||| Questões a juristas, 3.
Em ordem os comentários ao post sobre a qualidade dos livros ou seja, o respeito pelo consumidor.
Escreve o Tiago Falcoeiras:
«[...] A verdade é que li alguns livros de alguns autores editados por cá, e só li o primeiro em português. Importados são mais baratos, mais atractivos e sofrem menos no tratamento da língua. Li O Confessor, de Daniel Silva (que está na FNAC nos autores portugueses), e era quase página sim, página sim, oserros, as gralhas, as falhas de revisão, se é que houve revisão. E quando são livros traduzidos com erros destes já não é mau; o pior é quando o mesmo acontece aos livros de autores de expressão portuguesa. O que fazer? Escrever para as editoras e mostrar o nosso descontentamento. Escrevi para a Saída de Emergência e no espaço de 24 horas, tinha um pedido de desculpas e convicção de que a situação iria mudar.»
M em Campanhã conta outra história:
«Comprei um livrito de bolso das Publicações Europa-América, não porque aprecie particularmente o formato mas porque, tanto quanto consegui apurar, têm a única edição portuguesa do tal livro e eu queria mesmo AQUELE livro (A morte de Ivan Illitch, que o mestre João L Antunes refere repetidamente nos seus livros). A edição é de 2004 (não do século passado) e é confrangedora a quantidade de gralhas (muito mais do que erros) por página. Apetece ler o livro de caneta vermelha em punho. Até já pensei em oferecer-me à editora, para rever, gratuitamente, a próxima edição. Que mais poderia fazer?»
Nota de Nuno Seabra Lopes, da Extratexto:
«A Extratexto, como revista especializada de profissionais de edição e estudos editoriais que é, apoia todas as acções dos consumidores no sentido de exigir qualidade no trabalho gráfico e editorial que se faz em Portugal. Não existe desculpa para o facto de alguns dos produtos nacionais não corresponderem às condições mínimas de qualidade que qualquer produto deve ter, e ainda para mais um livro, um produto da indústria cultural que necessita constantemente de justificar a utilidade e mais-valia do que produz. Pessoalmente, confesso que em todas as editoras onde trabalhei ou tive/tenho relações profissionais, sempre observei abertura total aos consumidores que lá se dirigiam com os produtos defeituosos (apesar dos defeitos apresentados serem sempre gráficos ou de produção e não editoriais), sendo ressarcidos em valor ou com outro produto conforme. Se nada for feito, as empresas continuarão a não ter motivos para apostar na qualidade dos seus produtos, pois as editoras nacionais não estão ainda vocacionadas para agir numa óptica de marketing estratégico, e continuarão a julgar que os níveis de qualidade que apresentam são suficientes para o nosso mercado. Recordo que Portugal é um dos países com a mais reduzida aposta na editoração de textos, com reduzida formação na revisão e concepção de conteúdos editoriais.»
Sobre questões legais, escreve Jorge Silva:
« Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril: Artigo 2.º, Conformidade com o contrato:
1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.
2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
Por violação de ambos os artigos, a lei dispõe o seguinte:
Artigo 4.º
Direitos do consumidor
1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
2 - A reparação ou substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.
3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
A situação descrita deve ser analisada nos termos deste diploma legal, pelo que poderá exigir a resolução do contrato.»
Mais tarde, AMB analisa a situação:
«Não é líquida a aplicabilidade do regime previsto pelo DL 67/2003, de 8 de Abril, já que o artigo 1.º limita o âmbito de aplicação às relações de consumo tal como definidas pela Lei de Defesa do Consumidor. Ora, se o FJV comprar um livro sobretudo técnico, mais vocacionado para o exercício da sua profissão do que, digamos, para o lazer, não se tratará de uma relação de consumo («considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios»). Não quer isto dizer que este tipo de situações fique a descoberto. Na pior das hipóteses, o bom do velho Código Civil também está lá para assegurar alguma “conformidade”, como agora se diz. Tudo está em saber se o vício do bem o desvaloriza ou impede a realização do fim a que aquele se destina ou, ainda, não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor ou as necessárias para a realização daquele fim – art. 913.º. Se sim, talvez alguma coisa se consiga. Uma substituição (como faz a Coimbra Editora quando as capas não aguentam coladas aos livros mais de um dia ou os livros se descosem) ou uma reparação (às vezes, mandam colar os livros). O regime é complexo e enviesado, o que dificulta a sua plena aplicação. Seja como for, à luz do dito Código, o vendedor a nada está obrigada se desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade do bem (más traduções, gralhas, etc.). Voltando às relações de consumo, não creio que qualquer uma das situações se enquadre nas duas alíneas do citado art. 2.º. Em resumo: sim, talvez devesse ser ressarcido, mas não creio que o quadro legal vigente viabilize tal ressarcimento.»
E Jorge Silva responde:
«Duas considerações: 1.º Não sei como aferiu que tal livro seria técnico e destinado ao uso profissional.(esta seria uma prova complicada de fazer); 2.º Afirma que a situação descrita não se enquadra nos termos da lei indicada, julgo que o autor do livro não indicou que o mesmo estava mal traduzido, assim como quando se compra um livro não se espera que o mesmo esteja mal cosido ou que o mesmo contenha diversas gralhas e erros grosseiros que imagino não serem normais e muito menos estarem anunciados pelo, autor,vendedor, etc. Esta é uma situação clara de direito de consumo, com protecção legal definida mas, infelizmente ,com muito poucos resultados práticos pois como o valor da demanda é diminuto, ninguém faz valer os seus direitos. Em situação análoga já pedi a substituição do livro ( apenas quanto à situação da capa mal cosida) o que me foi atendido pelo supermercado da cultura.»
Atento acrescenta:
«Penso que a situação relatada é perfeitamente enquadrável na LDC (Lei de Defesa do Consumidor), e neste caso, diz-nos o seu art. 12.º que o consumidor pode exigir a reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato (conforme a reparação ou substituição seja ou não impossível) INDEPENDENTEMENTE da culpa do fornecedor do bem.
Também se pode pôr a hipótese de responsabilizar a editora respectiva, mesmo sem culpa.»

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2 comentários

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De Extratexto a 14.06.2006 às 12:38

Para quem se mantiver interessado nesta matéria, a Extratexto desenvolveu a temática do ponto de vista editorial.
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De Rogério a 14.06.2006 às 04:12

Rapidamente,

No direito brasileiro o defeito do livro comprado para ser lido, com interesse profissional ou não, configura fato do produto e está protegido pelo Código de
Defesa do Consumidor. A questão por aqui é que lemos pouco...
Quanto ao livro 'A morte de Ivan Illich', há uma boa edição de bolso da L&PM. Não como se chega por aí.

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